domingo, 22 de setembro de 2013

O tempo e a arquelogia do rock

Rock in Rio na TV. A publicidade incita aos amantes da música em geral a organizar-se para cumprir ao pé da letra o "eu vou!". Mais um ano, eu não fui, por indisponibilidade de recursos e porque tenho criança pequena. Aquilo lá é um ambiente somente para maiores de 16, e cada coisa a seu tempo. Ano passado houve o Rock in Rio Lisboa, e o nosso foi mesmo o "Rock in ria". Ficamos lá em Aveiro, assistindo aos concertos pela tv. Em todas as edições deste encontro musical,  fico a refletir sobre a marcha do tempo. Muitas vezes nem nos damos conta que o tempo é o mais democrático de todos os elementos na natureza: passa igualmente para todos. E não há tecnologia que retarde o seu caminhar ou contorne seus efeitos. 

No primeiro Rock in Rio, eu cursava quinta série do ensino fundamental, o que na época era primeiro grau. Era uma adolescente pálida, obrigatoriamente fardada com cadernos na mão. Foi pela tela da tv que reconheci a imagem já consagrada de Frederick Bulsara, cuja voz já era velha conhecida da vitrolinha onde tocava "play the game". O Queen era a imagem e o som da perfeição. Naquela época, os integrantes do Yes já eram uns velhotes sacudidos. E James Taylor já era quase calvo. E na minha memória ficaram aquelas imagens. Impossível esquecer Nina Hagen rasgando com a voz o que na época se chamava de Rock progressivo. Aqueles Punks chocavam mais com o visual estudadamente desmantelado. E que talento tinham para justificar suas propostas, tudo havia uma explicação quase filosófica. Da noite para o dia, alguns colegas aprenderam tudo sobre heavy metal e suas variações. Trocamos conhecimentos sobre Metalica e Iron Maden. Eu não aprendi muito, mas consulto periodicamente o Adalberto Lagartossauro, a enciclopédia do rock. Me divirto com suas opiniões polêmicas sobre a arqueologia do rock. Nos meados da década de 1980, nossa sociedade ainda ensaiava o respeito às diferenças. Lembro-me bem de um comercial do patrocinador do evento: uma linha de cosméticos para jovens, em que as protagonistas insinuavam uma relação homossexual. Era um escândalo e os mais velhos recriminavam a divulgação de um produto com uma mensagem subliminar forte para época. Naquela época, em que os gays eram designados "invertidos", os movimentos sociais ainda não estavam tão organizados e a cultura da tolerância era inexistentes.  Era o tempo em que Ozzy Osborne não era ainda um respeitavel pai de família, e o concerto de rock nos oportunizou ampliar nosso conhecimento sobre a música do mundo quando não tínhamos as facilidades do mundo digital.

Então, ontem, diferente dos meus tempos de adolescente que atravessava as noites e madrugadas a assistir os concertos, sentei-me no sofá da sala para assistir um bocadinho do Rock in Rio 2013. Já na versão anterior, nem sei mais nem que ano foi, embasbaquei-me com os efeitos do tempo no Axel Rose. A injusta imagem que guardamos dos ídolos do rock exalam juventude. Mas, o tempo passa e a vida pode ser cruel. Briam Adams também me causou essa impressão. E ontem, fechei o ciclo ao passar-me com a condição física de Moraes Moreira. Esse não é propriamente um astro do rock, mas um importante referencial da música brasileira. Ele e Pepeu, que está razoavelmente bem, fizeram uma apresentação no palco Sunset, acompanhados com a jovem Roberta Sá. Apesar de muito talentosa e cantar muito bem, não conseguiu substituir com competência a Baby Consuelo, hoje, depois de muitos anos, Baby do Brasil. Não sei os motivos de sua ausência nesse revival, mas, me causou um mal estar ainda maior. A jovem cantora, revelação da nova MPB  destoava no meio dos coroas, que resfolegavam, desafinavam. Lamentável, o show de ontem. Preferia não ter visto e ficar com a imagem serena do Moraes Moreira em companhia da Marisa Monte em barulhinho bom, cantando "Chuva no brejo". Mas isso já faz 17 anos. Somos muito rigorosos com os artistas, pois guardamos na memória uma juventude eterna que não existe senão nos flashbacks.

E muitos outros astros e estrelas ascendem no show bizz. A Beyoncé arrastou multidões de jovens enlouquecidos que cantavam todas as músicas da musa da música pop. Robertinho e Aricleiton  arribaram-se de Recife e Garanhuns, respectivamente, para acompanhar o show da cantora, de quem conheço duas ou três músicas. Priscila Lopes e Mariana atravessaram madrugadas e comentaram com competência os shows de Justin Timbarlake, de quem eu não conheço uma só canção. E Matheus Rocha deu show de conhecimento em arte no comentário que postou no facebook acerca do concerto do Gosth BC, que eu nunca tinha ouvido nem falar. Algumas bandas, para mim, absolutamente desconhecidas, parei para escutar um pouco. Algumas me lembraram as músicas estranhas do Luis Pedro. Outras, até que consegui acompanhar a sequencia melódica. Constatei que, musicalmente falando, estou velha e preciso conhecer coisas novas, ao mesmo tempo em que os novos se trajam de Metálica e acompanham os concertos dos velhotes, que dão um belíssimo caldo em muita banda teen. E assim caminha a humanidade: o que é bem feito, eterniza-se, mas ninguém é perpétuo. Cada coisa no seu tempo, e nada de assustar a garotada com a matéria desgastada, como Sebastian Bach, antigo Skid Row. É muito triste quando o único talento que se tem é a beleza, que vai-se no tic-tac do relógio e no passar das folhas dos calendários.    

É preciso saber envelhecer. O que fazíamos com competência ontem, talvez não seja mais possível hoje. E assim evolui-se buscando a satisfação na realização de coisas diferentes a cada dia. Se o artista não aguenta cantar um show inteiro, que faça participações pequenas, oportunizando janelas a novos talentos. Se não apetece mais compor canções, que escrevam romances. Mas, envelheçamos ativos e com dignidade. Até mesmo Mick Jagger irá cansar um dia.

Até amanhã, fiquem com Deus.
  


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