Então, o FIG 2016, veio e passou. Vivenciamos, até sábado passado a programação deste que é o maior (e melhor) festival multicultural do Brasil. Em tempos de crise, percebemos que houveram cortes na programação, mas, de qualquer forma, os pólos principais continuaram mantendo o seu brilho. Penso que o Festival de Inverno de Garanhuns já é um evento consolidado. Falta-nos apenas melhorar a organização no sentido de divulgar a programação mais cedo, para que mais pessoas, em outros estados, e talvez em outros países possam se organizar para participar. Como todos os anos, foi aquela mesma ladainha nas rádios e nas redes: muita gente a reclamar da programação. Contudo, as reclamações abordavam apenas a programação da Praça Mestre Dominguinhos (ainda não me acostumei com o novo nome da Praça Guadalajara. É um inequívoco sinal da velhice referir-se aos locais pelo nome antigo. Mas, vá lá: melhor ficar velho do que deixar de viver). Essa renitência em relação ao Palco principal é devido a falta de visão das criaturas, que mesmo depois de vinte anos de programação descentralizada, insiste em analisar o Festival por apenas 10% de sua programação. Eu consegui me libertar dessas amarras e aproveitamos o que nos interessa na grade cultural, sem ter a obrigação de bater ponto na Esplanada cultural todas as noites. Eu e Luiza gostamos muito de ver as exposições de arte, embora nem sempre entendamos muito bem o que os artistas quiseram exprimir com a obra ou instalação. Luiza faz oficina pelo terceiro ano consecutivo.Vimos um pouco de arte popular, música instrumental e música erudita. E foi na aula espetáculo com a Orquestra de Câmara do Conservatório Pernambucano de Música que tirei minhas lições anuais do Festival.
Tive acesso à programação sediada na Catedral Matriz de Santo Antonio já no meio da semana. Dias antes, havia acompanhado os concertos do Virtuosi. E no encarte anunciava a aula-espetáculo. Já fui a algumas, mas essa, queria ver com Luiza, pois é uma excelente oportunidade de aprender um pouco sobre a conhecida e pouco executada "música clássica". Chegamos cedo e ocupamos dois lugares no segundo banco, enquanto um jovem orientava a afinação dos instrumentos. Daí a pouco, entrou um jovem senhor, com cara e jeitinho de militar. Era o maestro. Antes de começar mesmo, cuidou em retocar alguns trechos do Sanctus, terceira parte da Missa da Coroação, de Mozart. A certa altura, a jovem do oboé fazia uma nota a mais, e o maestro parava tudo, enquanto eu cochichava para Luiza "Ah, por que parou... estava tão bonito!" O ensaio é o momento de corrigir. Retomando mais uma vez, a jovem tropeça no mesmo trecho. O maestro pára e explica. Voltam a tocar. Pára pela terceira vez, maestro explica novamente e pede que ela faça sozinha. Novo equívoco. Então, um jovem do lado de cá pergunta ao regente: "Posso ir lá?" Com a devida permissão, o cara explica, e a menina acerta. A partir dessa situação comecei a refletir, e fazer analogias entre a orquestra e a gestão institucional.
Ao longo da aula-espetáculo, o maestro explicou particularidades da regência e da organização da orquestra, além de demonstrar trechos da obra que iria executar completa no concerto de encerramento, logo mais à noite. As pessoas presente poderiam fazer perguntas, e algumas foram bem interessantes. Um senhor perguntou para quê o maestro fica sacudindo uma "varinha", se o pessoal toca pela partitura. Com muito bom humor e com uma linguagem bastante acessível, explicou que o maestro é responsável pelo andamento, a intensidade, e o ritmo da música. Exemplificou fazendo um experimento com o coro. Como o pessoal não recebeu a "ordem" de cantar permaneceram em silêncio. Outra senhora da plateia sugeriu uma experiência: pediu que o maestro desse a "partida" na música e depois saísse. Assim foi feito. Luiza, divertindo-se com a situação, deu risadas porque o maestro sentou-se no meio da assistência e ficou assistindo a orquestra se virando sozinha. É certo que eles tocaram, a música ficou meio embolada, mas todos cravaram os olhos naquele carinha que pediu permissão para ajudar a menina do oboé. Quando o maestro se ausenta, a função de organizar as coisas é do Spalla (ombro, em italiano). Dessa forma, mesmo que meio atabalhoada, a orquestra não deixa de fazer o seu serviço, tendo um ponto de referência para executar a música.
Eu sei que comparar a orquestra à gestão de instituições é bem batido, chega a ser um clichê de autoajuda. Contudo, o exemplo era muito evidente para mim, sentada à segunda fila dos bancos da Igreja. O maestro é o responsável, assim como o gestor. Ambos dependem dos companheiros para executar seu trabalho e só há harmonia quando há o reconhecimento da autoridade do maestro. O que teria acontecido se naquele momento do ensaio, em que a jovem não acertava as notas para meus ouvidos leigos imperceptíveis, todos os demais músicos fossem opinar ou interferir? Para que a organização funcione é preciso que cada um saiba qual é o seu lugar e sua função. Se o maestro ficar de costas para a orquestra, os músicos ficarão confusos, e mesmo que estejam carecas de saber qual a sua parte na música, não irão conseguir executar o seu melhor. Nenhum gestor trabalha sozinho, e como o maestro precisa do Spalla, aquele sujeito que irá afinar os instrumentos e mobilizar os músicos para executar sua parte na peça, em que cada instrumento tem a sua importância e até a disposição espacial influencia no resultado final. Ao final da aula, fiz uma pequena analogia: se a minha escola fosse uma orquestra, qual seria a minha posição, que instrumento eu seria? saí dando risada com Luiza ao chegar à conclusão de que, nos dias de hoje, eu seria um trombone, que segundo o nosso professor-maestro, acompanha a percussão e dá base ao coro. Pela potência do som, e numa orquestra de câmara, um trombone equivale a cerca de 20 violinos. Se tivesse 20 trombones, os demais instrumentos não seriam ouvidos e a música ficaria completamente atravessada. Tem sido assim: quando chamam o trombone, e quando é necessário, eu grito alto, no esforço de contribuir para que todos brilhem.
Não posso deixar de concluir com o sincero agradecimento à Igreja Católica que abre suas portas e sede seu espaço para a execução desse tipo de música que tão pouco espaço consegue em eventos abertos. Em todos os espetáculos, vi a casa cheia. Tenho dúvidas se a oferta fosse num teatro chique e fechado, se as pessoas teriam acesso como na Igreja Matriz. Sempre encontrei aquele médico famoso acompanhado com sua linda esposa, que já foi misse! Lá pela segunda fila, sempre estão as professoras do Estado, os servidores do município, jovens de cabelo desgrenhados, rosas e azuis, senhorinhas com exames de imagem na mão, e, senhores carregando sacos com pães. Como disse o Bispo na abertura do evento: a música é uma expressão divina. É a mão de Deus.
Fiquem com Ele.
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