domingo, 21 de fevereiro de 2021

Velório

 

"A coroa de orquídeas" é um conto de Nelson Rodrigues que eu gosto muito. Também é título de uma coletânea, publicado pela Companhia das Letras, em 1993. Publicado como artigo no Jornal Última hora, no período de 1952-62, quando o jornalista escrevia a crônica policial do veículo. Com uma narrativa invejável, "O Velho" narrou o cotidiano carioca com maestria e um humor ácido que me diverte muito. Ele desenvolveu a descrição de um cenário brasileiro encantador do período desenvolvimentista, que culminou com a construção de Brasília. Era um Brasil lírico, elegante e iluminado. Influenciada pela leitura, não é raro ter que ir a um velório, e, a depender da proximidade com o falecido, lembrar de algumas dessas histórias.

Velório é um rito social curioso e obrigatório. Semana passada outra, Tony esteve às voltas com os rituais de despedidas a um parente em Iati, pequena cidade do interior de Pernambuco, à 42 km de Garanhuns. Como a família deles é muito grande, o velório é também uma ocasião de reencontro de parentes distantes, e mesmo em tempos de pandemia, foram muitos primos que se abalaram até a zona rural para prestar as condolências ao Tio Luiz pelo falecimento do seu filho. Inevitavelmente nesses encontros, regados a café e bolachas,  sempre se (re) contam algumas histórias divertidas, mesmo na pungência do momento. Geralmente, lá pelas tantas, as conversas se tornam tão  animadas, que faz-se necessário se lembrar do morto, mantendo ao compostura exigida pelo momento. 

Como é pessoa muito conhecida, meu marido sempre vai a velórios, cumprindo a risca a etiqueta social. Outro dia, ao café da manhã, verificando as notícias, exclamou:

- Eita, morreu o filho de seu Fulano!

Esse Fulano em questão era um ex-vereador, companheiro de Câmara de Seu Osvaldo, na década de 1980. Lá se vai Tony Neto, arrumar os compromissos do dia para comparecer ao velório. Chegando à Casa Funerária, encontrou um conhecido já idosinho, possivelmente parente distante, também ex-vereador, contemporâneo dos dois já citados. Na tal casa funerária, havia dois falecidos sendo encomendados, um em cada câmara ardente, com muita gente aglomerada, pois isso tudo foi antes da pandemia. O velho apressado, julgando-se atrasado,  atravessou a pequena multidão, que já aguardava o padre para a missa de corpo presente. Ao lado do caixão, procurou algum parente para prestar as condolências. Os presentes, solícitos, indicaram uma o jovem chorosa como sendo neta do falecido. Tony ainda pensou: "Neta? mas fulaninho tinha idade para ter neta adulta?" ainda estendeu a mão para deter o acompanhante, mas ele já estava cumprimentando a moça e dizendo: "Tão moço, morreu de quê?" Incrédula, a neta respondeu: "morreu do coração". O velho ainda repetiu: "mas era muito moço... Quantos anos ele tinha?" A moça, de má vontade, respondeu: "Ele tinha 96 anos". Somente aí é que octogenário olhou para o morto acomodado no caixão, entendendo que entrou no velório errado! Murmurando palavras de consolo e segurando o riso, Tony rebocou o velho pra fora, que disse: "Eita, Ferreira! entramos no velório errado!" Depois dessa história, toda vez que ele vai a um velório eu já recomendo: "certifique-se que é o seu defunto, antes de entrar!"

Já em tempos de pandemia, esses rituais se tornam restritos e, talvez sejam uma tendência que se tornem cada vez mais escassos. Mas não deixa de ser um curioso rito de passagem, que conforme Ariano Suassuna,  ao "único mal irremediável que, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo que é vivo, morre." 

Como é domingo, fica aqui o link do conto do mestre Nelson Rodrigues.


Uma boa semana, fiquem com Deus.  






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