segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O novo pai

http://casih.blogspot.com/
Na última sexta feira houve o seminário do segundo ano do Doutoramento. A proposta foi muito interessante: para monitorar o andamento dos nossos projetos, os estudantes do 2º ano (nós) apresentaram os projetos e o estado atual do desenvolvimento da tese aos estudantes do 1ª ano que ainda estão por começar os projetos de investigação.  Cada doutorando dispôs de 20 minutos para comunicar sua proposta e seus progressos, bem como os impasses na construção da investigação.   Foi uma excelente oportunidade para reencontrar os amigos e colegas, que fazem uma falta danada nesta fase de trabalho solitário. Alguns, de tanto vê-los somente no mundo virtual, já estava a me convencer que aparentavam a resolução de 14 polegadas do meu ecrã. Alguns estão mais magros e um, assustadoramente mais magro, quase peso pena. Se fosse meu filho, entrava em regime de engorda rapidinho. Uns muito queridos, aos quais sou grata pela feliz oportunidade de conhecê-los. Outros, nem tanto.  Na apresentação, usei no Powerpoint uma foto de um girassol feita por Valber, que ao fundo vislumbra-se a Catedral de Santo Antonio. Mesmo temendo que a imagem ficasse muito carnavalesca, a imagem adequava bem ao sentido de partilha da nossa proposta de desenvolvimento de pessoas em Comunidade de Prática. 
Apesar de não estar muito bem naquela tarde em que a luz do sol feria meus olhos e pesava ainda mais a minha cabeça de enxaqueca, fui lá e disse o que ando a fazer. Foram muitas apresentações, cada uma melhor do que a outra. Meus colegas são os melhores. Contudo, aguçou-me a atenção um pedaço de conversa que acompanhei antes de iniciar a sessão. Cheguei cedo, pois a minha apresentação estava marcada para as 15hs, hora que a turma do 1º ano, que passara a manhã inteira a conhecer os professores orientadores, retornou do intervalo almoço. Acho que por artes da letra "A" de meu nome, fui escalada para ser a primeira. No hall do Departamento de Educação, encontrei o Ricardo, o único homem da nossa turma. Entramos na sala de seminário juntos e o (Prof.) Luís já estava lá. Enquanto eu ligava o Vermelho no projetor  e localizava a apresentação, eles conversavam... sobre os filhos! Nada poderia ser mais surpreendende do que dois homens jovens, bonitos, profissionais bem sucedidos a compartilhar ideias sobre crianças. Já havia comentado com a Fátima Kanitar após um café na Reitoria, que há uma emergência de um novo perfil de pai. E, apesar disto merecer uma investigação séria (se ainda não houver!) para não ser especulação de quem vive olhando a vida dos outros e tentando entender os comportamentos através dos retalhos públicos que nos doam, penso que este novo pai é uma feliz tendência dos nossos tempos.

Não posso refletir fundamentada em experiência própria, pois a missão do meu pai foi concluída quando ele tinha apenas 44 anos. Eu tinha 5 anos quando ele desencarnou, e minha mãe assumiu e deu jeito a situação caótica em que ficamos. Portanto, baseio-me tanto em leituras de sociólogos sérios, como Gilberto Freyre, quanto no que vejo nas vivências alheias. Na sociedade patriarcal pernambucana o modelo do pai era o provedor, aquele que mantinha a família e não se envolvia em detalhes domésticos. Isso era coisa de mulher.   Lembro-me que Ariano Suassuna disse em uma aula-espetáculo que participamos há muitos anos atrás, que no Nordeste do Brasil a cada quilômetro que nos distanciamos do litoral, onde estão localizadas as metrópoles, o comportamento social é visivelmente mais agarrado às tradições, e muitos pais de hoje ainda são assim: frios, distantes, que calam com um olhar. Estes, raramente se permitem um abraço, um carinho. Renunciam ao exercício do amor, forçados por convenções sociais.

De uns tempos para cá, o  pai começou a conceder-se o direito de participar da educação dos filhos. O pai que ajuda é aquele que está presente e que auxilia, mas que o protagonismo na formação da criança é da mãe. Como disse, ele ajuda mas não assume responsabilidades. A última palavra é sempre da mãe, mesmo que ele acredite que tem poder de decisão. Muitas vezes, acham que é até conveniente portar-se assim, pois, as necessárias medidas pouco populares são tomadas pela mãe ou sua substituta, que pode ser a nova esposa, uma tia ou a avó da criança. Olhando pelo lado positivo, não deixa de ser um avanço.

O novo pai não é essencialmente um pai jovem, pois esse comportamento independe da idade. Mas é um pai que acompanha o desenvolvimento de sua cria e aprende com ela, agregando estas experiências a sua vida. Este homem teme pelos exemplos que oferece aos seus filhos nas suas escolhas cotidianas, e por isso, cuida-se melhor, porta-se bem à medida do possível e busca um mundo mais limpo, mas sustentável, mais justo para seus filhos. Este pai discute com a(o) parceira (o) os valores e as crenças que sustentam a formação moral dos seus filhos. O novo pai partilha o cuidado das "ites" (otities, faringites, amidaligtes...), leva ao parque de diversões e roda no (terrível) carrossel, vai às reuniões na escola, ensina as tarefas, explica o significado das palavras. E sabem dizer não, e ser firmes quando necessário. Também perdem a paciência, erram. Isso é humano e o novo pai não é um super-pai, como também não é somente um pai presente, mas é um pai em ação.

Talvez você mulher que está lendo esteja a pensar: "isto não existe!" Pois, a boa notícia é que este pai é cada vez mais frequente. Mas, para que essa nova paternidade se manifeste é preciso uma mudança de comportamento dos pais e das mães: é necessário educar homens responsáveis e conscientes de seus deveres, pois não é admissível agir como bovinos reprodutores, que espalham seu DNA inadvertidamente por todo lado, e a genitora que tome conta. Afinal de contas, filho é responsabilidade para dois, independente do gênero do casal ou da condição do casal, pois, mesmo que separados, o pai pode ter atitude de novo pai, pois, ex-marido, ex-namorado ou ex-ficante existem, mas de ex-pai, não se tem notícia. É para toda a vida. Para quem é pai e para quem será pai é oportuno lembrar que enquanto há vida, há condições de ser melhor. Depois, ficam apenas as memórias. Às vezes, nem elas.

Deus é sempre muito generoso e nunca nos tira alguém e nos deixa no prejuízo. Comigo, Deus provou a sua generosidade, dando a minha filha o pai que não tive oportunidade de ter. Um misto de sorte e recompensa.

Pensem nisso. 

Até amanhã, fiquem com  Deus.

10 comentários:

  1. Principalmente, adorei o ultimo parágrafo. Seja, para sempre feliz! Bjo.Ciao!

    ResponderExcluir
  2. Muito bom Anna!

    Como disse, concordo plenamente com vovê. Infelizmente meus filhos não tiveram a presença do pai. Pois me divorciei quando eram praticamente bebês e logo depois ele faleceu. Então fiz o papel de pãe = pai + mãe. Atrevo-me a dizer que sei o que é ser um bom pai e uma boa mãe. Mas, é a vida!!!!
    Fatima Kanitar

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A vida tem seus caminhos, que às vezes custamos a entender. Estou certa, querida amiga, que você fez o que foi possível, e por isso fez o melhor. Beijos!

      Excluir
  3. São 11:24. Hoje, como em muitos outros dias, fui buscar os meus três às escolas, fiz o jantar e orientei TPCs, fui juíz em várias disputas e só depois a mãe chegou. Entretanto, já depois de os deitar, acabei de fazer a revisão científica de uma gramática online. Depois disso tudo, dei com teu texto.
    Obrigado pelo elogio, embora eu não ache que esteja a assumir um papel desse tipo propositadamente. Venho de uma família grande (somos cinco irmãos e tenho 20 primos) e talvez isso ajude a explicar um pouco essa mudança. O meu pai, ainda hoje não faz esse papel de cuidar dos netos, e não me lembro de o ter feito muito antes com os filhos.
    Acho que tem a ver com a realidade em que vivemos e com as exigências desta sociedade. Além disso, é claro que eu quero participar disso. Para mim, estar com eles e participar diretamente não é uma questão de filosofia. É afeto. :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu penso que é uma tendência, Ricardo. E vejo esse movimento com felicidade, pois, num tempo de tantas dificuldades, algo bom surge nesse mundo, ajudando as pessoas a melhorar continuamente. Bjs!

      Excluir
  4. Adorei seu texto!
    Aqui em casa, apesar de Nido não ser muito bom de bons exemplos: é desajeitado, bagunceiro, mas é um excelente pai! Afetuoso, amoroso e atencioso! Cuida muito bem das crianças, leva pro médico, pra escola, pro parque, mas odeia festas infantis, essa fica a meu encargo! Sim, ainda me ajuda com as tarefas domesticas! lava pratos e um monte de tarefas domesticas!
    Apesar de nao ter convivido com meu pai, tenho a alegria de ter dado um bom pai pra meus tres filhotes!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Maravilhoso texto!Tive a felicidade de vir de uma familia simples e de ter um pai exemplar participativo e em ação, lembro com saudades quando ficava com meus irmão em circulo e meu pai contava historias do jeito dele, com carinho e pacientemente corrigia a cada um na hora certa falando tão baixinho e carinhoso que não tinha como não aprender o que ele estava a ensinar. Meus filhos não tiveram o mesmo privilégio que eu tive por que eu fui "pae" fiz o possível mas deixei muito a desejar... poderia ter sido melhor.

      Excluir
    2. Pois, Vilma, o que eu quero dizer é isso: as virtudes de um pai vão além da simples presença. Um pai desorganizado, bagunçado é um um novo pai quando os valores como a honestidade, a sinceridade e a expressão do afeto se faz no dia-a-dia. Aos desmantelos, aplicamos o princípio da bagatela, pois geralmente as virtudes superam em muito os pequenos defeitos.
      Genésia, esteja certa que as mães que assumem-se "pãe" não podem ser tão rigorosas em seus julgamentos. Vejo você como uma "pãe" muito bem sucedida e uma mãe exemplar. Beijos e saudades.

      Excluir
  5. Faz 10 meses que o pai nos deixou, o que posso falar sobre ele é o que melhor o defino MEU EXEMPLO DE TRABALHO, inspirado nele estou escrevendo minha monografia a respeito de Qualidade De Vida No Trabalho, algo que ele nunca teve o pai nunca foi de beijos e abraço usava a mãe de mediadora pra saber como estávamos, porém era uma manteiga derretida, como dizíamos com ele, ria nosso riso e chorava nosso choro... Também sou pãe, há 13 anos tento ser um bom pai e uma boa mãe. Ando numa fase difícil, queria nesse momento um help, meu filho aos 13 anos já namora, já sai com amigos, só quer saber de redes sócias. Choro muito e me sinto culpada por precisar sair de casa as 6h manhã e voltar apenas as 23h, passo o dia falando com ele por celular e tento ao máximo ser o mais presente que posso em relação a conversar com ele, dar momentos de laser e educação e etc., porém queria poder fazer mais,apesar de que sou a pessoa mais feliz do mundo no meu papel de PÃE,choro por ser de carne e osso ...Obrigada por nos proporcionar esses desabafos Anna, sinto sua falta pelos corredores da faculdade e da sua linda filha elogiando meu café kkkkkk.Sucesso Deus te abençoe...Bjss

    ResponderExcluir