sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Leituras e reflexões: Confissões ao mar

No inverno tropical de 2012, meu amigo Telles deu-me esse livro. Depois de muitos desencontros com o livro debaixo do braço, acabou por me encontrar na sala dos professores na AESGA, onde eu passei algumas tardes na companhia agradabilíssima dos meus colegas de trabalho e a "tocaiar" os professores que colaboraram com a recolha  de dados da investigação. Ele chegou reclamando alto, de mãos na cintura parado à porta: "É mais fácil te encontrar em Portugal!"  sentou-se ruidoso à mesa antiga, criticando entre risos os móveis da sala, abraçou-me repetidamente. Jogou a enorme bolsa de lado e lançou o livro sobre minhas mãos cruzadas, dizendo que era de autoria de um amigo seu. Na primeira página há uma dedicatória carinhosa, que para ler é preciso virar um pouco o papel escuro e visualizar a tinta azul sob reflexo da luz. Coloquei a obra na lista de espera, quando chegasse a vez dele, eu leria.
 
 
E li.

Confissões ao mar, de autoria de Kadu Lago é um romance gay. Fiquei na dúvida se era politicamente correto classificar assim a obra. Contudo, para além de narrar a história do amor de Matheus e Alejandro, trás uma reflexão acerca do amor, das convenções sociais e da perda. A história, que tem nuances fictícias e autobriográficas desenrola-se no Maranhão e Belém do Pará. O autor descreve  com riqueza de detalhes a maravilhosa Ilha de São Luis do Maranhão, a única capital francesa do Brasil. Particularmente, eu tenho uma história inacabada com o Maranhão. Há muitos anos atrás criei uma personagem idosa, que nasceu e viveu em S. Luis. Ainda não tive a oportunidade de visitar a terra de Sannya Fernanda, mas está na minha lista das próximas viagens, tão logo se encerre esta temporada européia. A descrição das cores do céu no por do sol maranhense vistas pelos olhos de Kadu Lago são tão reais, que cheguei a ver mesmo sob a luz mecânica do meu pequeno quarto no hemisfério norte. Alcântara é um encanto histórico banhada por rios em que se navega em pequenas balsas, acompanhadas por verdes e pássaros. Um passeio imperdível, iremos à primeira oportunidade.
 
É nesta região que nos antigos livros de Geografia se chamava "meio-norte", quase equatorial, onde a natureza deixa de ser caatinga e transforma-se em floresta amazônica, que Matheus vivencia a descoberta, a negação, a culpa de sua sexualidade. A personagem declarava-se gay desde a infância, mas a pressão da família religiosa forçava-o a sufocar a sua especificidade. A angústia da revelação da condição até então oculta à noiva faz-se no capítulo 21. Esta mulher é, na vida do homossexual, a tentativa de se enquadrar nos padrões que a sociedade estabelece. E no final da história, de uma forma ou de outra, todos sempre saem com cicatrizes.  O autor consegue traduzir com competência o doloroso processo de autoaceitação. Mas, daí a assumir publicamente a homossexualidade é uma longa e sofrida trajetória. É uma identidade dificil de construir, mas plena de possibilidades. Não há nada pior do que viver uma mentira. Mais dia, menos dia, a verdade aparece, e seus impactos são sempre mais abrangentes do que somos capazes de prever. Nestas histórias, fictícias nos livros, mas reais em nosso cotidiano, a família tem uma importância imprescindível. Passados os impactos da revelação de verdades duras de aceitar, sobretudo pela previsão de dificuldades e preconceitos, a aceitação e o acolhimento ocorre em alguns casos. Outras famílias, preferem fazer de conta que não sabem, fazem vistas grossas ao amigo (a) mais que constante. Outras ainda, recorrem a exclusão, que marginaliza, fragiliza, magoa.   
 
Tenho alguns amigos e amigas gays. São pessoas finas, inteligentes, de bom gosto. Os homossexuais assumidos são pessoas de bom trato, embora, existam alguns venenosos. Mas isso não advém da sexualidade, é falha de caráter. No geral, são divertidos, criativos e solidários. Após a leitura de "Confissões ao mar", bem como de "Hyacinte", um romace gay cuja autora é a minha irmã Ilda,  mudei alguns de meus conceitos. Acreditava firmemente que a homossexualidade era opção. Mas, como fazer opções sexuais ainda na infância? Percebo que a sexualidade vai além da escolha. Passei também a aceitar melhor os indecisos. Eles e elas sofrem por medo de sofrer. As leituras me mostraram também algumas coincidências. Tanto Hyacinte, Alejandro e Dorian Gray tem alguns aspectos em comum: os tres são lindos como anjos e tem "pantinhos de mulher chata", gostam de investir em longas e infrutíferas DRs (Discutir a Relação). Não há maior tempo perdido no amor do que uma DR. E se elas forem periódicas, o que seria promissor está fadado ao fracasso.

Eu, por mim, acabei pensando nos meus próprios gostos e vontades. Com todo respeito, não entendo como uma mulher pode construir uma relação com outra... O conflito hormonal deve ser impossível! Gosto muito de pessoas, mas, amo os homens. São mais simples, práticos e fortes. Ademais, gostos e cheiros não se simulam. Não há tecnologia sexual que substitua a suave aspereza da barba de um dia do meu homem a percorrer-me a curva da orelha ao ombro.

Confissões ao mar é um romance evidentemente romântico de final infeliz. Contudo, a história de cada um é um enredo aberto para se contar. Uma leitura interessante acerca de uma outra forma de estar no mundo e com o mundo.

Até amanhã, fiquem com Deus.
 
 


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