domingo, 29 de junho de 2014

Um outro Recife

Recife, visto da varando do Paço Alfândega. Foto de Ana Luiza
Penso que vocês lembram do post em que relatei a minhas impressões e tristeza sobre o atual estado do centro do Recife. Naquele momento, meus olhos estavam cheios de Europa e eu perdi-me no meio do lixo, sujeira e vias vandalizadas da capital pernambucana. Mas, Recife tem belezas que precisam ser valorizadas, não apenas nas zonas em que andam os turistas, mas, também onde vivem os verdadeiros recifenses. 

Na última semana, aproveitando o feriadão de Corpus Christi + Jogo do Brasil na Copa do Mundo de Futebol + São João, arrumamos nossas coisas e nos colocamos na estrada. Aproveitando que Tony conseguiu ingressos para três jogos do mundial, eu e Luiza nos preparamos para um passeio, o que há algum tempo já nos fazia falta. Assim, enquanto Tony via o futebol, eu e Lulu veríamos a cidade. Reservados os lugares para os necessários descansos, pois por Luiza ainda ser uma criança e, nós não sermos mais tão jovens,  precisamos alternar os passeios ao descanso, uma comidinha razoável, um bom banho e uma caminha confortável para repousar os ossos. Apesar dos preços nada acessíveis praticados nesta período em que os comerciantes e os empreendedores em serviços miram nos Dólares e Euros e acertam nos nossos pobres bolsos alimentados à Reais, arranjamos um lugarzinho até razoável no Bairro do Recife. Desta vez, abandonamos a Boa Viagem, cujos preços estavam muito salgados para nossos bolsos hipertensos, e ficamos na Pousada do Forte, localizada à 500 metros do Forte das Cinco Pontas. O problema foi encontrar a tal pousada. Localizada no início da Rua Imperial, poucos sabiam que para encontrar era preciso atravessar Dantas Barreto e pegar à direita naquela Igreja que fica no meio da rua! Depois de muito rodar e procurar um retorno lá em Deus me livre, conseguimos fazer o check-in num estabelecimento ocupado por mexicanos e italianos. Vale a observação que as únicas mulheres na pousada éramos eu, Luiza e a mãe de um sujeito vindo de Curitiba. Frequentemente, os "Chihuahua" (mexicanos, carinhosamente!) pediam algo e os recepcionistas ficavam voando no espanhol. Eu e Luiza, muito metidas, intercedemos algumas vezes para que os visitantes obtivessem o que precisavam.

Pronto, então, deixamos as coisas na pousada e fomos andando para a zona antiga do Recife, onde está instalada a fan fest da FIFA. Diga-se de passagem que é a fan fest mais fraca do Brasil, pois o prefeito negou-se a investir dinheiro público no evento: que se virem os patrocinadores. De qualquer forma, mesmo sem a verba, o povo toma conta e faz a festa até porque, em Pernambuco, basta uma bandinha de frevo e dois bonecos gigantes que a multidão de copo em punho vai atrás. Fomos pelas vielas do Recife antigo, vendo a muvuca do comércio popular. Frequentemente, Luiza comparava os becos e ruas estreitas com as vias que conhecemos em Portugal, verificando as semelhanças e as diferenças entre os traçados urbanos. Atravessamos a Ponte Giratória ao solzinho morno do final de tarde, empurrados pela brisa com cheiro de rio e de sal. 
Vista do Recife da Ponte Giratória. Foto de Ana Luiza.

Do outro lado, guiados pelos arroubos dos torcedores, alcançamos o Paço Alfândega, que nos recebeu com um maravilhoso ar condicionado. Lá, ao virar a primeira esquina, encontramos Sandro e Paula, ele amigo de Tony "das antigas". Depois de alguma conversa, seguimos para o nosso almoço. Pedimos camarões e ficamos vendo o jogo pelos telões da praça de alimentação, junto com uma babel de Costarriquenhos, holandeses, ingleses, mexicanos e italianos. Vimos até dois israelenses perdidos naquele caldeirão multicultural, tão a cara de Pernambuco. 
Fan Fest FIFA em Recife
E entendi que, quando se tem boa vontade, a comunicação flui, mesmo sem o domínio do segundo ou terceiro idioma. Gesticulando intensamente e falando por divertidas mímicas, que me lembrou a metodologia de ensino de Adriana Correia, todos se entendiam satisfatoriamente.   Zanzamos um bocado pelo Recife antigo, fizemos algumas fotos dos "prédios ferros de passar" para a nossa coleção e somente regressamos quando Luiza começou a dar sinais de cansaço. No outro dia, teria Itália e Costa Rica na Arena Pernambuco para Tony, e nós teríamos o dia inteiro para andar por essas ruas, que são mais bonitas à luz do dia.

Na manhã seguinte, Luiza perguntou se poderíamos ver as Igrejas do centro histórico. Fomos até o Pátio do Carmo. Apesar do fedor (uma mistura de gato morto com escremento humano) e do lixo da Av. Dantas Barreto, a arquitetura religiosa setecentista é realmente maravilhosa. O conjunto do Carmo pareceu-me mais desgastado e meio escondido pelas barraquinhas do comércio popular. Entramos por uma viela e demos no Pátio de São Pedro, e depois alcançamos a Igreja do Rosário dos Pretos. Como era ainda antes das 10 horas, o sol estava fraco e o calor, manso. Tomamos um táxi que ia passando que nos deixou às portas da Livraria Cultura. Depois de convencer a Luiza que era melhor ir à livraria na volta, fomos andando até a praça do Arsenal. O objetivo era visitar o Paço do Frevo. 

O casarão fica na outra esquina da Torre Malakof e é um encanto de conhecimento acerca da cultura pernambucana. No primeiro andar, o visitante tem oportunidade de conhecer uma linha do tempo do frevo e da história de Pernambuco e do Brasil. Imensos painéis escritos à giz pelos visitantes encantaram Luiza, que correu para colocar a sua contribuição. No segundo andar, tem a escola de música e dança e uma exposição sobre o bairro de São José, com muitos vídeos sobre aspectos deste lugar, conhecido como o coração do frevo. Mais ao lado, tem uma réplica do Pátio de São Pedro. Nos divertimos fazendo fotos e vídeos com os populares retratados no espaço. Como a proposta é interativa, o visitante pode mexer nas coisas e criar momentos legais. Luiza encarnou uma vendedora de frutas! Muito bom. 


O terceiro andar é encantador. Nele há um glossário interativo do Frevo, com termos específicos utilizados no universo vocabular desta manifestação cultural. Mais à frente tem a exposição de estandartes dos blocos de frevo do Recife. O que se esperava era que os estandartes estivessem perpendiculares às paredes, mas os curadores colocaram-nos no chão, sobre uma proteção de vidro. Assim, o visitante segue uma linha vermelha vendo os estandartes no piso. Já havia visto isso no museu de Évora. Ficou lindo! 


Nas paredes, textos sobre o frevo, fotografias e nos janelões versos e poemas escritos nos vidros. O teto assemelha-se a um pálio de maracatu, e nas paredes mecanismos eletrônicos giram as matracas coloridas, despertando o visitante de tanta coisa linda.
Um verso de Drummond no janelão
No final do percurso, ainda tivemos uma aula com o João, monitor da exposição, que nos ensinou oito passos de frevo. Faltou muito para eu aprender, mas a gente chega lá! Uma visita imperdível para todas as idades. A entrada custa 10 Reais e tem uma série de gratuidades e preços promocionais. Segue o link para maiores informações.  http://www.pacodofrevo.org.br/# 
Professores de História, Geografia, Antropologia, Filosofia, Português e suas literaturas precisam aproveitar esse espaço. E os pernambucanos, de modo geral, e especificamente os residentes em Recife que não conhecerem e não divulgarem este espaço deveriam levar uma pisa. É maravilhoso, vale todos os centavos.

Depois, fomos para o outro lado. Visitamos o baobá da frente do Campo das Princesas, pois o livro que Luiza estava lendo (O espelho das palavras, de Marcos Bagno) falava num baobá, e, no que eu havia terminado dias atrás (O Botão de Rosa, de Maviael Medeiros), a Praça da República era um dos cenários em que a misteriosa menina aparecia. Tentamos ver a Capela Dourada, na rua do Imperador, mas, estava fechada, pois passava de meio dia. Foi então que Lulu começou a queixar-se de uma leve dor de cabeça, principalmente após chupar um picolé. Aliás, sobre o tal picolé um aparte: desde que andávamos pelo Pátio de São Pedro que ela me pedia um sorvete. Somente na saída do Paço do Frevo que me dispus a comprar um Magnum, da Kibon (em Portugal é Olá!). Pois, a menina atacou o carrinho do vendedor experiente, antes que eu pudesse ver o preço. Paguei 10 reais por um picolé! No Brasil, o povo também exagera com a exploração ao turista. Na pracinha em frente a Torre de Belém, compramos o mesmo artigo por 1 Euro. Tá certo que isso faz um ano, mas, o que pagamos em Recife foi três vezes mais. Absurdo. Sim, então, fomos almoçar no shopping Boa Vista, após atravessar a muvuca da Conde da Boa Vista. Só valeu a travessia da rio Capibaribe, que estava em cheia. Este centro comercial está tão decadente que faz pena. Aquilo lá foi bonito e agradavelmente moderno na década de 1980. Hoje é um festival de lixo, sujeira, buracos. Em uma palavra: decadência. Faz pena ver como os gestores e moradores tratam tão mal o espaço público.  Depois de umas esfihas no Habibs (adoramos!) e umas compras, voltamos para a Pousada, já no final da tarde, à tempo de acompanhar o jogo das 17 horas. Na madrugada seguinte, pegaríamos um voo econômico rumo à Fortaleza.

Essa é a próxima etapa da nossa viagem, onde nada - absolutamente nada - funcionou como o planejado.

Até amanhã, fiquem com Deus.




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