domingo, 19 de outubro de 2014

Vida de Professor

Pronto. Então, pulando o pedaço dos dias em Lisboa, novas compreensões e decisões, retornei ao Brasil na sexta-feira. Tony e Lulu foram me buscar no Recife, e só chegamos a Garanhuns no sábado. No domingo, fui ver minhas irmãs, deixando para conhecer o bebê de Thaís (meu sobrinho-neto afim) somente esta semana, pois já na segunda-feira à noite, atracaria na sala de aula, pois os meninos de Engenharia Civil não podem mais esperar para caminhar com o projeto de pesquisa. O tempo urge e o TCC bate-lhes à porta. A minha tarefa é ajudá-los a organizar as ideias e apresentar uma proposta de pesquisa mais ou menos atrativa, quando forem "fazer a corte" aos orientadores. Já na segunda-feira, pela manhã, enquanto corrigia o restante dos trabalhos desta turma para entregar à noite (a maior parte, havia corrigido no domingo), ligou-me uma jovem da escola de Luiza avisando-me que o horário de saída seria às 11h. Os meninos largaram mais cedo por causa do almoço comemorativo ao dia dos professores. Na mesma hora, eu tinha que ir ao  médico. Tentei ligar para Tony, mas, sem sucesso. Então, o médico ficou para depois (bem depois, só consegui marcar a consulta para 1º de dezembro. Plano de saúde vai se saindo pior que o SUS. Felizmente, eu olhei o exame e as taxas já estão sob controle. Posso esperar. Mas se fosse caso com risco de morte, morria mesmo). Então, já no retorno, tive que corrigir trabalhos, calcular notas, escolher compromissos e remarcar atividades. Tipicamente, vida de professor.

É certo que voltei para o batente mesmo na terça-feira pela manhã. E os companheiros da Avaliação Institucional estavam às voltas com o planejamento e execução da comemoração do dia do professor, que no Brasil, ocorre no dia 15 de Outubro. Todo ano, na nossa escola, é sempre a mesma confusão: muitos professores reclamam o feriado neste dia. Ouço essa ladainha há mais de 15 anos. Alguns se rebelam e anunciam em alto e bom som que "mandem a polícia ir me buscar. Aqui não piso". E até que eles têm razão. Em todas as redes é feriado, menos na nossa. Por mais que se justifique, não há argumentos que convença, e daí, em Outubro há o tradicional bate-boca entre os contra e os pró-feriado. Como a proposição do calendário acadêmico vem do departamento que eu trabalho, fiz a traquinagem e coloquei o feriado no calendário. Já recebi reclamações do partido "contra feriado", fundamentados no aspecto de que o calendário letivo deve ter 100 dias em cada semestre, e daí, quanto mais feriados aparecerem, mais sábados e "dias para frente" terão que ser trabalhados. Também é um argumento plausível. E a discussão segue essa semana. Então, com a cabeça meio desorientada com o fuso horário (querem saber o que é isso, lembrem-se do efeito de uma horita apenas quando tínhamos no nordeste do Brasil o horário de verão) e com a ausência, pois em 10 dias muita água rola embaixo desta ponte, soube somente na quarta que haveria um coffe break de comemoração ao dia do professor, e que a Avaliação Institucional estava articulando tudo. Como trabalhamos em parceria, fui lá ajudar. 

Izabel é uma moça muito talentosa para essas coisas de festa. Já eu, sou um zero. Em dias, junto com Rosa, Ricardo, Virgínia e Norma, desenharam uma marcadora de página bem bonita e planejaram um "lanche portátil". A primeira ideia (isso, eles me contaram) era entregar um lanchinho numa saquinha. Depois, Izabel veio com a ideia de uns depósitos descartáveis bonitinhos de plástico, onde teria um sanduíche, um polenguinho,  uma fatia de bolo de rolo, dois pacotinhos de biscoito e um suco. Daí, Norma disse que ficava muito feio numa saca, e sugeriu uma sacolinha de papel. E ficou bem bonitinho. Para executar, os recursos foram arrecadados com os coordenadores, pois instituição pública tem problemas na destinação de verbas de última hora. Pronto. Assim decidido, na quarta à tarde, depois que recebi uma aluna que escreve uma monografia de pós graduação, fui ajudar a montar as sacolinhas. Lá já estava a Clide, da Coordenação de Engenharia, dando uma força. E então, surgiram os "causos", os bastidores da educação.

Tem muita gente que acha que o trabalho do professor é só chegar em sala de aula e 'vomitar' um conteúdo. E muito colega chega na profissão com essa impressão, e pior, com essa prática. O trabalho do professor começa antes da aula, com o planejamento. Aliás, essa etapa consome muito mais tempo e neurônios do que a execução propriamente dita. É no planejamento que vamos alinhar o conteúdo às estratégias. E sempre tem que ter um plano B, pois se a atividade não funcionar assim, tem que funcionar de outra forma. O que não pode é mandar o aluno ir embora às 15h porque faltou energia. E coisas inusitadas acontecem entre o planejamento e a sala de aula. Outro dia, tive que eliminar um vídeo do início de uma aula porque não arranjaram um extensão para ligar a caixa de som. Aliás, tem dia que a bruxa está solta e nada funciona como deveria. Neste dia, foi assim: a turma deveria chegar às 8h, chegou às 9h30. O computador da Assessoria enlouqueceu e a data era 10.10.2010, ou seja, nada de conectar a internet, que neste dia, estava excepcionalmente boa. Pedi o computador da coordenação da pós graduação emprestado ao Antonio, e conectei à minha pasta no YouTube. Tudo muito bem se não faltasse o tal filtro de linha para ligar a caixa de som. Se não tem um plano B, a aula será um fracasso. 

Mas, professor que se preze tem no seu treinamento cotidiano de guerra as alternativas para sobreviver às adversidades das condições materiais e conjunturais. Enquanto embalávamos o lanche e organizávamos as sacolinhas, Izabel nos contava, que em meio a toda correria para providenciar tudo, deixou os Polenguinhos em um determinado setor, e quando foi buscar, uma caixa havia sido violada! o salteador levou 4 dos 6 quadradinhos de queijo processados. E ela se mortificava porque havia comprado a conta, e por conta do furto (não foi roubo, e isso aqui tem uma Faculdade de Direito para nos ensinar a diferença!) alguém ficaria sem o tal polenguinho. Para agitar, Ricardo declarou que o polenguinho que lhe cabia estava garantido. Rosa interviu, evocando a senhora sua avó que dizia que "a prioridade é das visitas. Os de casa, comem o que sobrar", um comportamento tradicional do nordestino. Então, multiplicaram-se as histórias de ladrõezinhos nas escolas. Todos tinham algum caso para contar. Na minha escola, lá no Adventista, quando aparecia algum ladrãozinho, a professora nos colocava na fila, sob o sol, até que o culpado se acusasse. Métodos de tortura sempre foram utilizados na educação, e, eu já levei muito sol na moleira por causa dos maus hábitos dos colegas. Outro aspecto que convivemos nas escolas, como já disse, independente do nível, é a falta de infraestrutura para os serviços. Ricardo contou-nos que trabalhou em um programa em Itapissuma, em que os professores tinham que fazer o lanche dos alunos, pois a alimentação era um dos aspectos de retenção dos meninos em sala de aula. O cardápio era sanduíche de mortadela com queijo prato e suco instantâneo. O suco era feito em um balde e mexido com uma régua.   Talvez isso tenha ajudado a despertar nos alunos o "gosto" pelas matemáticas!

Além das dificuldades infraestruturais, o professor precisa ter muita habilidade com o ser humano. Numa turma de pós graduação me ocorreu algo inédito nos meus quase 16 anos de magistério. Foi assim: havia uma atividade em que os grupos iriam analisar, à luz da legislação e das exigências dos conselhos, planos de curso de determinadas IES. Essa turma era muito diversificada: havia gestores, administradores de formação, enfermeiras, médicos, pessoal auxiliar nos serviços de saúde. Então, para facilitar e contextualizar ao grupo, consegui planos de cursos que mais se aproximasse à área de formação ou de exercício profissional. E fui dividir os grupos a partir desses critérios. Formamos um grupo de enfermeiras/médicos (todos queriam o médico, porque o sujeito é mesmo muito sabido), dos administradores/gestores e do pessoal auxiliar aos serviços de saúde (fisioterapeutas, psicólogos, serviço social). A atividade ia caminhando bem, até que chegou uma criatura atrasada. Então, simpática, perguntei-lhe: "qual a tua formação?" A pessoa disse um curso que ficava difícil enquadrar aos demais. Então, mudei de estratégia: "qual a tua área profissional?" A pessoa me respondeu, aoós me olhar de cima à baixo: "Professora, eu não preciso disso não. Eu sou RICA." Confesso que fiquei uns 10 segundos atônita, olhando para a cara da criatura. Depois, voltou-me a inspiração e ri: "Rica? E o que é que rico faz? É empresária?", a fulana insistiu: "Não, eu sou RICA." Então, eu disse, com um imenso sorriso: "Ah, então se você é RICA, e um tipo de RICO que não faz nada para ser RICO, acho que vou lhe colocar no grupo das psicólogas e do serviço social, porque estas profissionais estão habilitadas a lidar com gente como você." A turma caiu na gargalhada, e voltou-se animada para fazer o trabalho. Sei que a pessoa ficou com a ala psi, e que, na hora de apresentar a discussão, ela deu no pé. São coisas assim que o professor tem que ter presença de espírito para conduzir, e isso não se ensina na escola. Quem ensina é a vida. 

Então, após as 18h os colegas chegaram, outros não vieram e justificaram. Outros, não se deram o trabalho nem de mandar um e-mail. É assim mesmo. Giane fez a abertura, depois falou o Padre Emerson, que foi nosso aluno e hoje é nosso colega professor. Na simplicidade que lhe é característica, Meu Padrinho (como o trato na escola e em qualquer lugar que o encontre), fez uma linda fala acerca da profissão de professor, destacando que fomos carimbados pela eternidade, pois um professor nunca será esquecido pelos seus alunos. No final, quando o lanche era distribuído, o café, o chocolate e a sala de frutas servida a mil mãos colaboradoras, uma jovem professora me disse: "eu estava tão triste. Meu primeiro ano como professora e não ia receber nem obrigada da instituição. Obrigada." Ela, que foi minha aluna na graduação, deu-me um abraço com um sorriso de satisfação. O que era aquilo, se não a necessidade do reconhecimento pela dedicação? Fiquei feliz também, pois apesar de ter chegado "na hora do amém", como diria minha mãe e como ocorreu ao Prof. Suruagy, já faz parte da história de vida profissional da jovem professora. Nós, os mais antigos, ficamos felizes em ver que o "plantel" se renova. Suruagy, em sua fala, em seu tom de discurso solene, declarou-se realizado em participar deste grupo, e com orgulho havia sido professor de muitos dos colegas que fazem parte do corpo docente. Então, Rosa interviu divertida, e declarou: "E eu, fui professora do professor que foi professor de boa parte destes professores." É a vida que segue.

Estava me lembrando que, após o veredicto da tese, vários dos profissionais que compunham o juri, afirmaram: "Você é professora." E sou mesmo, de formação e exercício. Não é à toa que, na minha titulação, o PROFA. virá sempre primeiro. Não é um trabalho fácil, mas é divertido. Ganha-se pouco (em relação a importância e às exigências do trabalho), trabalha-se muito, mas, as dificuldades fazem parte do pacote. 

Somos felizes.

Até amanhã, fiquem com Deus. 
    

Um comentário:

  1. Aqui tivemos feriado no dia do professor. Nas federais teve aula normal

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