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domingo, 7 de dezembro de 2014

Alunos felizes, professores também.

"Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que a doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer."

(Mia Couto, In: Mar me quer, p. 9)  


Então, apesar de ter demorado muito, dezembro chegou. Confesso que gosto mais da nossa (des)organização do ano letivo tropical. Nunca me acostumei com aquela coisa de terminar o ano no meio do ano. Com o ano letivo de fevereiro (a depender do carnaval, obviamente) à dezembro, temos uma melhor definição de temporalidade. Além disso, o tempo vai esquentando e a cada manhã aumenta-nos a vontade de que chegue logo o dia de nos estirarmos ao sol em alguma areia branca. Praia aqui é o que não falta, há para todos os gostos e bolsos. Mas, antes do game over letivo, existem as avaliações. E não é de hoje que eu digo que a avaliação é o calcanhar de Aquiles de todo professor. É no processo de avaliação, seja ele classificatório, sumativo ou formativo, o professor precisa estar preparado para as contrariedades. Elas fazem parte do nosso métier. 

Este ano, apesar da sala de aula ser quase o meu habitat natural, não pude reclamar de excesso de trabalho. Como estava concluindo o doutoramento, ganhei o prêmio de ter carga horária reduzida. Com apenas três turmas no primeiro semestre, e duas turmas no segundo, foi até possível fazer uma avaliação bem cuidadosa, apesar dos espinhos da minha área. Como as minhas disciplinas são procedimentais, eu recebo a encomenda (projeto, relatório, plano de negócio, monografia, o que seja o da vez) e tenho que arrancar o resultado do aluno no final do semestre. Ou seja, trabalhamos com vistas a construir um produto, de modo que às vezes me deparo com a cópia de trabalhos, seja total ou parcial. Além do calvário que é arrancar do estudante de graduação uma coisa com "cabeça, tronco e membros", como diria Genésia, amiga, companheira de profissão e mãe honoris causa, tenho que saber lidar com os espertinhos, que acham que o professor de metodologia é um paspalho que qualquer acadêmico recém-nascido pode passar a perna. E nessa batalha, já me formei e dou diploma. Na verdade, estou cansada de correr atrás de imbecis que acreditam que copiar o texto alheio é um bom negócio. Afinal, como disse o nosso colega Dr. Enéas: "Pensam que enganam a quem?"  Na verdade, já aprendi (e me convenci) que há dois grupos de estudantes: 1) O que quer aprender, 2) o que quer passar. Com o primeiro grupo, aprendo a cada dia, com o segundo, posso até me agastar temporariamente. Mas, depois acabo esquecendo, pois é tão miúdo que não merece nem a lembrança. Prefiro falar do primeiro grupo, que, infelizmente, é minoria.

Esse ano, abracei um desafio imenso para alguém nascida e criada na área das ciências humanas: trabalhar elaboração de projetos de pesquisa num curso de Engenharia Civil. Houve momentos que eu ficava insistindo com os meninos para que eles me explicassem melhor o que queriam dizer. Foi um exercício extremamente difícil na primeira turma. Até porque, me pondo no lugar dos estudantes, como acreditar numa professora que não sabia que viga de concreto tem alma? E que as construções sofrem patologias, inclusive podem apresentar recalques? A professora nem sabia que existe um tempo diferencial para a cura do concreto. Para mim, até aquele dia, a cura relacionava-se ao processo saúde-doença, pois já ando há algum tempo aperreando com as normas da ABNT aos estudantes de Administração Hospitalar. Então, estou aprendendo a falar o "engenhariês", e confesso que é bem mais difícil de acertar que o "juridiquês", onde passei dois anos de minha vida, atanazando o juízo dos futuros operadores do direito, antes de largar tudo e vivenciar a temporada portuguesa. A própria metodologia é complicada, pois trata-se de ciências exatas, e todas essas coisas de laboratório, dos quais nunca passei nem perto. Com todas as dificuldades, mais confiantes na linguagem e apoiada no talento dos estudantes, com a segunda turma obtive bons resultados, inclusive com aquele aluno bipolar que trazia um tema de pesquisa por semana. E nesta turma aconteceu-me algo particularmente interessante:  Fui professora de um professor meu. O mundo seu suas voltinhas, e o sujeito que me ensinou matemática na sexta série (na época, falava-se assim), foi meu aluno no 8º período de Engenharia Civil da FACEG. Todas as segundas, eu pedia aos Deuses que ele não lembrasse de mim, pois nunca fui boa com as matemáticas, além de que no período do Adventista, eu era uma peste. Sempre fui muito questionadora, e a adolescência não foi o meu período mais ameno. Somente no último encontro presencial, revelei o fato à turma inteira, e o colega-aluno ficou passado. Também, fazia muito tempo. Aproveitei para agradecer a paciência e me desculpar por qualquer coisa. 

Sobre o meu trabalho, minha mãe certa vez me disse: "Tu não és professora. Professoras são essas que ensinam os meninos a ler. Ensinar a quem sabe é muito fácil". Concordo em parte, e mais ainda quando vou a uma atividade da escola da minha filha. Não sei mais como as professoras do ensino fundamental I e início do fundamental II arranjam tanta ideia para envolver as crianças. Esta semana, mesmo doente, Ilza, minha irmã, voltou ao trabalho com os meninos de um 4º ano, numa escola da zona rural de Garanhuns. Inquieta, engajada, comprometida, juntou-se com outra colega e arranjou um meio de trazer os 29 meninos para conhecer o Natal de Garanhuns. Com o tema "Sonho de criança" a cidade está linda, ornamentada por ursinhos, árvores enfeitadas, casinhas. Um encanto. Os meninos ficaram maravilhados com o passeio. Primeiro, que poucos professores se aventuram a carregar uma turminha de meninos entre 9-10 anos, pois, dá trabalho, de forma que raramente a escola encontra-se com o mundo real. Segundo, que nunca mais esses meninos irão esquecer aquele dia de encantamento. Tanto que uma garotinha foi até a professora e perguntou se podia abraçar os ursinhos. Havia chovido e os ornamentos estavam molhados. Sem pensar duas vezes, a professora respondeu afirmativamente. Só depois, ao reencontrar a menina radiante - e toda molhada - foi que percebeu que não seria uma boa ideia. Mas, para a criança, foi a realização de um sonho. 

Talvez seja isso que nos falte no ensino superior. Vivemos um hiato entre os olhos brilhantes do primeiro dia e o sorriso radiante da formatura. É esse meio campo que precisa ser repensado. No que se pese as responsabilidades pessoais, dos professores e dos gestores das IES com a formação de futuros profissionais, precisamos arranjar estratégias para que estas pessoas, que o destino fez unir, sejam felizes em sua condição de estudante. Não só na entrada ou na saída. Mas, no "entretudo".

Até amanhã, fiquem com Deus. 

PS: "Alunos felizes" é um livro de George Snyders, que trata sobre a alegria nas escolas. Li-o há muito tempo. Penso que já é tempo de tornar a leitura da obra. 
    


domingo, 19 de outubro de 2014

Vida de Professor

Pronto. Então, pulando o pedaço dos dias em Lisboa, novas compreensões e decisões, retornei ao Brasil na sexta-feira. Tony e Lulu foram me buscar no Recife, e só chegamos a Garanhuns no sábado. No domingo, fui ver minhas irmãs, deixando para conhecer o bebê de Thaís (meu sobrinho-neto afim) somente esta semana, pois já na segunda-feira à noite, atracaria na sala de aula, pois os meninos de Engenharia Civil não podem mais esperar para caminhar com o projeto de pesquisa. O tempo urge e o TCC bate-lhes à porta. A minha tarefa é ajudá-los a organizar as ideias e apresentar uma proposta de pesquisa mais ou menos atrativa, quando forem "fazer a corte" aos orientadores. Já na segunda-feira, pela manhã, enquanto corrigia o restante dos trabalhos desta turma para entregar à noite (a maior parte, havia corrigido no domingo), ligou-me uma jovem da escola de Luiza avisando-me que o horário de saída seria às 11h. Os meninos largaram mais cedo por causa do almoço comemorativo ao dia dos professores. Na mesma hora, eu tinha que ir ao  médico. Tentei ligar para Tony, mas, sem sucesso. Então, o médico ficou para depois (bem depois, só consegui marcar a consulta para 1º de dezembro. Plano de saúde vai se saindo pior que o SUS. Felizmente, eu olhei o exame e as taxas já estão sob controle. Posso esperar. Mas se fosse caso com risco de morte, morria mesmo). Então, já no retorno, tive que corrigir trabalhos, calcular notas, escolher compromissos e remarcar atividades. Tipicamente, vida de professor.

É certo que voltei para o batente mesmo na terça-feira pela manhã. E os companheiros da Avaliação Institucional estavam às voltas com o planejamento e execução da comemoração do dia do professor, que no Brasil, ocorre no dia 15 de Outubro. Todo ano, na nossa escola, é sempre a mesma confusão: muitos professores reclamam o feriado neste dia. Ouço essa ladainha há mais de 15 anos. Alguns se rebelam e anunciam em alto e bom som que "mandem a polícia ir me buscar. Aqui não piso". E até que eles têm razão. Em todas as redes é feriado, menos na nossa. Por mais que se justifique, não há argumentos que convença, e daí, em Outubro há o tradicional bate-boca entre os contra e os pró-feriado. Como a proposição do calendário acadêmico vem do departamento que eu trabalho, fiz a traquinagem e coloquei o feriado no calendário. Já recebi reclamações do partido "contra feriado", fundamentados no aspecto de que o calendário letivo deve ter 100 dias em cada semestre, e daí, quanto mais feriados aparecerem, mais sábados e "dias para frente" terão que ser trabalhados. Também é um argumento plausível. E a discussão segue essa semana. Então, com a cabeça meio desorientada com o fuso horário (querem saber o que é isso, lembrem-se do efeito de uma horita apenas quando tínhamos no nordeste do Brasil o horário de verão) e com a ausência, pois em 10 dias muita água rola embaixo desta ponte, soube somente na quarta que haveria um coffe break de comemoração ao dia do professor, e que a Avaliação Institucional estava articulando tudo. Como trabalhamos em parceria, fui lá ajudar. 

Izabel é uma moça muito talentosa para essas coisas de festa. Já eu, sou um zero. Em dias, junto com Rosa, Ricardo, Virgínia e Norma, desenharam uma marcadora de página bem bonita e planejaram um "lanche portátil". A primeira ideia (isso, eles me contaram) era entregar um lanchinho numa saquinha. Depois, Izabel veio com a ideia de uns depósitos descartáveis bonitinhos de plástico, onde teria um sanduíche, um polenguinho,  uma fatia de bolo de rolo, dois pacotinhos de biscoito e um suco. Daí, Norma disse que ficava muito feio numa saca, e sugeriu uma sacolinha de papel. E ficou bem bonitinho. Para executar, os recursos foram arrecadados com os coordenadores, pois instituição pública tem problemas na destinação de verbas de última hora. Pronto. Assim decidido, na quarta à tarde, depois que recebi uma aluna que escreve uma monografia de pós graduação, fui ajudar a montar as sacolinhas. Lá já estava a Clide, da Coordenação de Engenharia, dando uma força. E então, surgiram os "causos", os bastidores da educação.

Tem muita gente que acha que o trabalho do professor é só chegar em sala de aula e 'vomitar' um conteúdo. E muito colega chega na profissão com essa impressão, e pior, com essa prática. O trabalho do professor começa antes da aula, com o planejamento. Aliás, essa etapa consome muito mais tempo e neurônios do que a execução propriamente dita. É no planejamento que vamos alinhar o conteúdo às estratégias. E sempre tem que ter um plano B, pois se a atividade não funcionar assim, tem que funcionar de outra forma. O que não pode é mandar o aluno ir embora às 15h porque faltou energia. E coisas inusitadas acontecem entre o planejamento e a sala de aula. Outro dia, tive que eliminar um vídeo do início de uma aula porque não arranjaram um extensão para ligar a caixa de som. Aliás, tem dia que a bruxa está solta e nada funciona como deveria. Neste dia, foi assim: a turma deveria chegar às 8h, chegou às 9h30. O computador da Assessoria enlouqueceu e a data era 10.10.2010, ou seja, nada de conectar a internet, que neste dia, estava excepcionalmente boa. Pedi o computador da coordenação da pós graduação emprestado ao Antonio, e conectei à minha pasta no YouTube. Tudo muito bem se não faltasse o tal filtro de linha para ligar a caixa de som. Se não tem um plano B, a aula será um fracasso. 

Mas, professor que se preze tem no seu treinamento cotidiano de guerra as alternativas para sobreviver às adversidades das condições materiais e conjunturais. Enquanto embalávamos o lanche e organizávamos as sacolinhas, Izabel nos contava, que em meio a toda correria para providenciar tudo, deixou os Polenguinhos em um determinado setor, e quando foi buscar, uma caixa havia sido violada! o salteador levou 4 dos 6 quadradinhos de queijo processados. E ela se mortificava porque havia comprado a conta, e por conta do furto (não foi roubo, e isso aqui tem uma Faculdade de Direito para nos ensinar a diferença!) alguém ficaria sem o tal polenguinho. Para agitar, Ricardo declarou que o polenguinho que lhe cabia estava garantido. Rosa interviu, evocando a senhora sua avó que dizia que "a prioridade é das visitas. Os de casa, comem o que sobrar", um comportamento tradicional do nordestino. Então, multiplicaram-se as histórias de ladrõezinhos nas escolas. Todos tinham algum caso para contar. Na minha escola, lá no Adventista, quando aparecia algum ladrãozinho, a professora nos colocava na fila, sob o sol, até que o culpado se acusasse. Métodos de tortura sempre foram utilizados na educação, e, eu já levei muito sol na moleira por causa dos maus hábitos dos colegas. Outro aspecto que convivemos nas escolas, como já disse, independente do nível, é a falta de infraestrutura para os serviços. Ricardo contou-nos que trabalhou em um programa em Itapissuma, em que os professores tinham que fazer o lanche dos alunos, pois a alimentação era um dos aspectos de retenção dos meninos em sala de aula. O cardápio era sanduíche de mortadela com queijo prato e suco instantâneo. O suco era feito em um balde e mexido com uma régua.   Talvez isso tenha ajudado a despertar nos alunos o "gosto" pelas matemáticas!

Além das dificuldades infraestruturais, o professor precisa ter muita habilidade com o ser humano. Numa turma de pós graduação me ocorreu algo inédito nos meus quase 16 anos de magistério. Foi assim: havia uma atividade em que os grupos iriam analisar, à luz da legislação e das exigências dos conselhos, planos de curso de determinadas IES. Essa turma era muito diversificada: havia gestores, administradores de formação, enfermeiras, médicos, pessoal auxiliar nos serviços de saúde. Então, para facilitar e contextualizar ao grupo, consegui planos de cursos que mais se aproximasse à área de formação ou de exercício profissional. E fui dividir os grupos a partir desses critérios. Formamos um grupo de enfermeiras/médicos (todos queriam o médico, porque o sujeito é mesmo muito sabido), dos administradores/gestores e do pessoal auxiliar aos serviços de saúde (fisioterapeutas, psicólogos, serviço social). A atividade ia caminhando bem, até que chegou uma criatura atrasada. Então, simpática, perguntei-lhe: "qual a tua formação?" A pessoa disse um curso que ficava difícil enquadrar aos demais. Então, mudei de estratégia: "qual a tua área profissional?" A pessoa me respondeu, aoós me olhar de cima à baixo: "Professora, eu não preciso disso não. Eu sou RICA." Confesso que fiquei uns 10 segundos atônita, olhando para a cara da criatura. Depois, voltou-me a inspiração e ri: "Rica? E o que é que rico faz? É empresária?", a fulana insistiu: "Não, eu sou RICA." Então, eu disse, com um imenso sorriso: "Ah, então se você é RICA, e um tipo de RICO que não faz nada para ser RICO, acho que vou lhe colocar no grupo das psicólogas e do serviço social, porque estas profissionais estão habilitadas a lidar com gente como você." A turma caiu na gargalhada, e voltou-se animada para fazer o trabalho. Sei que a pessoa ficou com a ala psi, e que, na hora de apresentar a discussão, ela deu no pé. São coisas assim que o professor tem que ter presença de espírito para conduzir, e isso não se ensina na escola. Quem ensina é a vida. 

Então, após as 18h os colegas chegaram, outros não vieram e justificaram. Outros, não se deram o trabalho nem de mandar um e-mail. É assim mesmo. Giane fez a abertura, depois falou o Padre Emerson, que foi nosso aluno e hoje é nosso colega professor. Na simplicidade que lhe é característica, Meu Padrinho (como o trato na escola e em qualquer lugar que o encontre), fez uma linda fala acerca da profissão de professor, destacando que fomos carimbados pela eternidade, pois um professor nunca será esquecido pelos seus alunos. No final, quando o lanche era distribuído, o café, o chocolate e a sala de frutas servida a mil mãos colaboradoras, uma jovem professora me disse: "eu estava tão triste. Meu primeiro ano como professora e não ia receber nem obrigada da instituição. Obrigada." Ela, que foi minha aluna na graduação, deu-me um abraço com um sorriso de satisfação. O que era aquilo, se não a necessidade do reconhecimento pela dedicação? Fiquei feliz também, pois apesar de ter chegado "na hora do amém", como diria minha mãe e como ocorreu ao Prof. Suruagy, já faz parte da história de vida profissional da jovem professora. Nós, os mais antigos, ficamos felizes em ver que o "plantel" se renova. Suruagy, em sua fala, em seu tom de discurso solene, declarou-se realizado em participar deste grupo, e com orgulho havia sido professor de muitos dos colegas que fazem parte do corpo docente. Então, Rosa interviu divertida, e declarou: "E eu, fui professora do professor que foi professor de boa parte destes professores." É a vida que segue.

Estava me lembrando que, após o veredicto da tese, vários dos profissionais que compunham o juri, afirmaram: "Você é professora." E sou mesmo, de formação e exercício. Não é à toa que, na minha titulação, o PROFA. virá sempre primeiro. Não é um trabalho fácil, mas é divertido. Ganha-se pouco (em relação a importância e às exigências do trabalho), trabalha-se muito, mas, as dificuldades fazem parte do pacote. 

Somos felizes.

Até amanhã, fiquem com Deus. 
    

sábado, 9 de fevereiro de 2013

"Pérolas" da profissão


Outro dia, no caminho da escola, perguntava a Luiza o que ela queria ser quando crescer. É uma pergunta clássica, e para alguns pais, uma pergunta retórica. Muitos nem esperam que a criatura em questão formule a possível resposta e vão logo respondendo pelo miúdo: "você será médico", "você será advogado", "você será empresário". Mesmo bem intencionados, acabam interferindo numa seara quenão lhes pertence. Cada um encontra o seu caminho, e cada ocupação tem suas delícias, mas tem também seus espinhos. Ontem estava relendo um pedaço do referencial teórico da minha tese, um trecho que gosto particularmente é quando me dedico a discutir com o leitor que a docência é uma profissão como qualquer outra, e que essa história de sacerdócio é conversa para boi dormir. Não com essas palavras, é claro, pois o discurso científico não é tão flexível assim. Por isso, concordo em número, gênero e grau com a colega Mónica Aresta, quando ela diz : "é tão mais fácil escrever posts". Contudo, a mensagem é essa mesmo: quem inventou essa balela de magistério como sacerdócio, com certeza queria auferir algum lucro. Para trabalhar bem precisamos não só de salários, mas também de condições adequadas de trabalho, cargas horárias mais humanas e formação continuada. E, ao escrever isso, fico me questionando se essas condições para desempenhar bem uma atividade profissional é exclusividade dos ofícios ligados à educação.
 
Investigando sobre "a profissão que me escolheu", conforme me disse minha querida amiga e Profa. Thayze, na entrevista que fiz como uma das estratégias de recolha de dados para esta tese em que labuto, tenho analisado o nosso corrido e estressante cotidiano com olhos de saudade. Quando nos afastamos, até das "alminhas de Jesus" sentimos falta. E este distânciamento metodológico que vivo, no melhor sentido das técnicas de investigação antropológicas, tem contribuído para reconhecer que o meu ofício é o ideal para mim. Mesmo nas dificuldades, depois que passa a raiva, eu sempre dou risada de muita coisa. Nas bocas dos professores há sempre um dito popular bastante engraçado: "A gente ganha pouco, mas se diverte". Era bom e justo que ganhassemos mais, mas tem situação que tem realmente piada, haja vista as pérolas do ENEM. São famosos os  posts e e-mails acerca das construções inusitadas dos estudantes na tentativa de oferecer uma resposta a uma questão que nem sempre dominam. Aparecem pérolas como:
 
A floresta está cheia de animais já extintos. Tem que parar de desmatar para que os animais que estão extintos possam se reproduzirem e aumentarem seu número respirando um ar mais limpo
ou
“A ciência progrediu tanto que inventou ciclones como a ovelha Dolly”
 
Ao nos depararmos com essas expressões da inteligência humana, no primeiro momento, não acreditamos. Depois da segunda ou terceira leitura, se tal compreensão foi fruto de uma intervenção didática por você promovida (o troço é seu aluno), emergem a raiva e a indignação. No terceiro momento, o sentimento é de desamparo. O professor fica a pensar do que ele pode fazer para reverter tão grave quadro. E por fim, depois que todos esses sentimentos passam, vem a vontade de rir, e toda vez que o professor se lembra daquela construção cognitiva, fica com ar de riso. Não deixa de ser divertido. Por outro lado, há coisas que os alunos escrevem, que são toscas, mas que faz até sentido, como esse conceito de geometria: "Ângulo são duas linhas que vão indo e se encontram." Não deixa de ser verdade, além de ser bem poético. Na sua curta carreira no magistério, Ilma (que hoje é operadora do Direito) deparou-se com uma situação engraçada, numa escola rural, no Neves, onde lecionou durante pouco mais de um ano. Então professora, minha irmã colocou na prova a pergunta: "O que são seres vivos?" e o menino respondeu de lá: "é tudo aquilo que se bole". "Bulir" é um forma agreste de dizer mexer, movimentar-se. O menino tinha até razão. E não venham apelar para os recifes de corais com vistas a refutar o pensamento do menino de 5ª série. Eu já vivi inúmeras situações engraçadas no exercício da docência. Uma delas foi numa avaliação de Sociologia da Administração, na FAGA. Não sei se vocês sabem, mas a minha primeira oportunidade na docência de nivel superior foi para substituir a profa. Eliane Vilar no curso de Adminsitração. Ela estava assoberbadíssima com a presidência da AESGA, e como eu havia sido sua aluna na UPE, ela me deu essa oportunidade, não de trabalho, mas de vida. Sim, então, nessa disciplina, trabalhavamos as teorias da administração numa abordagem sociológica. Na prova, trabalhando a Teoria X e Y, de Douglas McGregor, o acadêmico escreveu-me um tratado sobre a teoria, esclarecendo todos os pontos negativos e positivos da abordagem. Um sonho de consumo para qualquer professor. Mas na hora de referir-se ao autor, no lugar de "McGregor", ele escreveu "Marquidoves", o nome do prefeito de uma cidadezinha próxima a Garanhuns. Eu ri demais, e a turma tirou o couro dele. Mas, o ato falho não atrapalhou a avaliação. 
 
Quem lê essas mal traçadas linhas, pode incorrer no erro de que essas pérolas são exclusivas da docência. Essa semana, minha sobrinha Mayda, que é enfermeira, fez esse post Facebook:
 
 
Então, fiz alguns links mentais entre as carreiras da saúde e a docência. E os profissionais que cuidam da  nossa saúde (ou da falta dela) também se deparam com essas maravilhas da inteligência humana nos consultórios, ambulatórios e afins. Na discussão do post, vários profissionais gabaritados e curiosos diagnosticaram:
 

Grizielle Rocha Own mulé. deve ser a falta de hidroclorotiazinha...
Mayda Souza Deve "de" ser.... Ou capitoprilda! Kkkkkkkk...
Elayne Fernandes Boa amiga... Kkkkkkk qualquer coisa ela vai lá fazer uma "episcopia"... Rs
Mariana Waked E a dor de Regina??? Angina mudou de nome!!!! kkkkk
Mariana Waked Toma um paracetenó que passa!!!!
Antonio Souza O pior é sofrer de tia bete.
Mahria Socorro Souza Ou então uma BISCOPIA, Elayne... dá mto por essas bandas daqui, e o médico receita um hidracortiazinha! kkkk
Izabel Sobral Mahria Socorro Souza, vc tá falando errado é "buscopia", e o tal "raulxis" pra ver se trincou o osso!!!kkkkkkkkkkkkkkk
Eu ri demais. E atestei que mesmo trabalhar em meio a tantas moléstias, tem seu lado divertido. Se formos investigar, as  semelhanças entre estas duas profissões que se desenvolvem em ambientes tão diferentes, não são restrita apenas as bizarrices cotidianas. As longas jornadas, os múltiplos empregos, as péssimas condições do trabalho na rede pública e as dificeis relações de trabalho na rede privada, não são espinhos exclusivos da educação. E entre a Universidade e o Hospital, não sei onde estar a maior concentração de gente doida por metro quadrado. São situações comuns (e não normais) para quem labuta nestas áreas. Parafraseando Merton, são disfunções administrativas que temos que combater, e enquanto não há uma mudança, conviver. É coisa de onde tem gente, e gente é o bicho mais dificil de se tanger.
 
Até amanhã, fiquem com Deus.