domingo, 28 de dezembro de 2014

Mal do século

Estive fora uns dias e me permiti não escrever, não abrir e-mails, ver pouca rede social. Como o meu telefone é jurássico, tudo me ajuda a desconectar um pouco. Às vezes é preciso. Alguns leitores me perguntaram a razão do "sumiço". Não foi nada. Apenas, estava dando um tempo para renovar as energias e o vocabulário. 

Neste meio tempo, seguindo um hábito de anos, juntamos nossas coisas e pegamos a estrada. Como estamos promovendo uma reforma na nossa casa inacabada, cuja obra já vai bem adiantada (o pior já passou, pelo menos para este ano!), escolhemos roteiros curtos, para uma viagem breve e de carro. Nesta época é possível arranjar passagens aéreas a um preço acessível, mas, com os roteiros que os voos fazem no Brasil, é preciso pensar duas vezes antes de se "aboletar" num avião. Graças a teoria geral das licitações, em uma viagem de trabalho, meus colegas pegaram um voo mal assombradíssimo de Belo Horizonte-Recife. Gastaram 24 horas para chegar, com paradas e trocas de aeronave em São Paulo, Brasília e Salvador. Eu já peguei uma baldeação para Porto Seguro (BA), que foi para Campina Grande (PB), depois para Salvador (BA), para depois pegar um teco-teco para o litoral sul da Bahia, onde o Brasil nasceu. Com Luiza à tiracolo, realmente, ninguém merece. Como as férias é um tempo de não se estressar, é melhor ver direitinho os roteiros para não consumir o tempo precioso com esperas, apesar de sempre darmos graças ao chegar. 

Desta forma, juntamos nossos troços, deixamos a chave com Ilma, para ela vir colocar comida para Juju, e, seguimos viagem. A primeira parada foi em João Pessoa (PB), onde ficamos dois dias. Depois, seguimos para Natal (RN), onde ficamos mais três dias. Viagem curta em tempos de pouco dinheiro. Quem já enfrentou a saga de uma obra, sabe bem o que estou falando. Havíamos feito as reservas no meio do ano, de forma que conseguimos pacotes com preços até camaradas. E passamos uma curta e feliz temporada, mas,voltamos cheios de boas histórias e com energia renovada.  

Contudo, constatamos que o trânsito das cidades, independente do seu porte, é o mal do século. Resgato o termo utilizado nas escolas literárias do final do século XVIII, que explorava livremente a imaginação e as emoções. Logicamente, fui pesquisar para me lembrar que no Brasil, este movimento é representado pela Segunda Geração Romântica, e, que,  de acordo com a definição encontrada no livro Dicionário de Termos Literários, de Moisés Massaud, o Mal do Século é definido como “Pessimismo extremo, em face do passado e do futuro, sensação de perda de suporte, apatia moral, melancolia difusa, tristeza, culto do mistério, do sonho, da inquietude mórbida, tédio irremissível, sem causa, sofrimento cósmico, ausência da alegria de viver, fantasia desmesurada, atração pelo infinito, “vago das paixões”, desencanto em face do cotidiano, desilusão amorosa, nostalgia, falta de sentimento vital, depressão profunda, abulia, resultando em males físicos, mentais ou imaginários que levam à morte precoce ou ao suicídio”. (http://www.infoescola.com/literatura/sentimentalismo-mal-do-seculo/). Não se espantem, não fui acometida de uma depressão inoportuna. Peço de empréstimo o termo para refletir acerca do mal das cidades no nosso século. Nos filmes de ficção científica, o cinema projetava o futuro com carros voadores. Não chegamos a este desenvolvimento tecnológico e os carros ainda estão trafegando ao rés do chão. Contudo, impulsionados pela melhoria econômica, todo zé-mané no Brasil possui o seu carrinho. E olhando bem, até que a nossa frota é bem servida. Penso, leigamente, que há um grande percentual de carros novos e semi-novos a rodar nas nossas cidades. O problema é que a frota cresceu igual a fome na Lei de Malthus, ou seja, exponencialmente. Já as cidades têm basicamente a mesma infraestrutura viária da década de 1970. Resultado: engarrafamentos monstruosos e muita vida desperdiçada a trocar marchas num ritmo lento. 

Quando falamos nas capitais no nordeste do Brasil, sempre apontamos o trio Fortaleza-Recife-Salvador com pequenas sucursais do inferno na terra, especialmente nos horários de alto movimento. As demais capitais são sempre relacionadas como calmas, e, João Pessoa (PB) é considerada um modelo de tráfego. Então, o que vocês acham de passar uma hora e quarenta minutos para sair de Tambaú até o Centro da Cidade? Considerando que isso se faz cruzando apenas uma Avenida (Av. Presidente Epitácio Pessoa), perdemos uma manhã inteira para visitar o Centro Histórico da capital paraibana, que precisa urgentemente de manutenção. Para completar, pegamos um protesto de vans do transporte escolar, que cobravam providências da agência de gestão da Prefeitura quanto a repressão ao transporte clandestino de estudantes. Confirmou-se, na ocasião, que eu tenho realmente um imã para protestos. Em toda cidade que chego, há em decurso uma passeata, manifestação, greve, o raio. Igualmente, para entrarmos em Natal, passamos uma hora na Av. Ayrton Senna andando à 20 km/h (que ironia!), mesmo tendo passado um pouco das três horas da tarde. Enquanto nós, de férias, gastamos o nosso tempo que poderia ser investido à beira da piscina ou levando lapadas das ondas de Ponta Negra no trânsito lento, comentávamos sobre a situação de vivenciar todo este tráfego todo santo dia. Deus me livre de cidade grande. 

Mas, enquanto mal do século, o trânsito caótico não é privilégio das grandes cidades. Basta conferir um sábado pela manhã na Avenida Santo Antonio, em Garanhuns. Primeiro, que não há como estacionar. Segundo, que o trânsito é lento mesmo às 9 horas da manhã. Outro dia, vinhamos nas proximidades do Pau Pombo (Parque Ruber van der Linden), quando Paul Mccartney começou a tocar "Once upon a long ago" no rádio do carro. Comentei com Tony que gostaria que o caminho fosse maior para que eu pudesse ouvir a música inteira. Mas, o meu itinerário  reduzia-se a visitar a Caixa Econômica, e, o pagamento das contas, seria feito mesmo à pé, pois a nossa cidade é bem pequena. A música tem 4 minutos e 11 segundos. Pronto. Quem conhece Garanhuns, sabe que é um pulo, apesar da ledeirinha (nada mansa) do SESC. Pois, por causa do trânsito, deu para ouvir a música duas vezes. Além do excesso de viaturas (como dizem os portugueses!) obviamente fomentado pelo péssimo transporte urbano, nós sofremos as penas do transporte alternativo. Sem preconceito, é uma constatação: os motoristas das vans dessas cidades pequenas do entorno são um castigo. Param em qualquer lugar, são mal educados e abusados. Há momentos em que a avenida atravanca porque alguns desses "donos da rua" decidem que devem parar. E nem tente passar na faixa de pedestre quando algum deles aproxima-se: tenha amor a sua vidinha.  

O trânsito está mesmo muito ruim. E não adianta dizer que é porque eu morei algum tempo na Europa, onde as coisas são bem organizadas. Já tentou trafegar numa rotunda (giradouro) em Garanhuns? Tanto a nossa vizinha da AESGA, que dá acesso à avenida Caruaru, quanto essa nossa que dá acesso a Cohab II, mesmo estando certos no giro, e tendo a preferencial, quem manda é quem vem da estrada. E se for um carro grande, tá lascado, espere para não levar uma lapada. Da mesma forma que o mal do século XIX era a tuberculose, do século XX, a AIDS, hoje julgo que enfrentamos o mal maior: a individualidade, a falta de solidariedade e a completa ausência de gentileza e educação. E isso se reflete no modo como nos portamos no trânsito. E o pior é que para isso não existe vacina, nem coquetel de remédios. Se os pais fazem barbeiragens ao levar as crianças para a escola - e vemos isso todos os dias durante o ano letivo no Colégio XV, ao tentar levar uma vantagem desrespeitando as normas do bom tráfego, os pais imbecis educam os filhos pelo péssimo exemplo- , não vejo muita perspectiva de mudança. A não ser que doa na parte mais sensível do cidadão na sociedade capitalista: o bolso.

Vamos confiar que isso tudo irá melhorar em 2015.

Até o ano que vem! Sejam felizes hoje e sempre.

Fiquem com Deus.    

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