domingo, 7 de dezembro de 2014

Alunos felizes, professores também.

"Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que a doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer."

(Mia Couto, In: Mar me quer, p. 9)  


Então, apesar de ter demorado muito, dezembro chegou. Confesso que gosto mais da nossa (des)organização do ano letivo tropical. Nunca me acostumei com aquela coisa de terminar o ano no meio do ano. Com o ano letivo de fevereiro (a depender do carnaval, obviamente) à dezembro, temos uma melhor definição de temporalidade. Além disso, o tempo vai esquentando e a cada manhã aumenta-nos a vontade de que chegue logo o dia de nos estirarmos ao sol em alguma areia branca. Praia aqui é o que não falta, há para todos os gostos e bolsos. Mas, antes do game over letivo, existem as avaliações. E não é de hoje que eu digo que a avaliação é o calcanhar de Aquiles de todo professor. É no processo de avaliação, seja ele classificatório, sumativo ou formativo, o professor precisa estar preparado para as contrariedades. Elas fazem parte do nosso métier. 

Este ano, apesar da sala de aula ser quase o meu habitat natural, não pude reclamar de excesso de trabalho. Como estava concluindo o doutoramento, ganhei o prêmio de ter carga horária reduzida. Com apenas três turmas no primeiro semestre, e duas turmas no segundo, foi até possível fazer uma avaliação bem cuidadosa, apesar dos espinhos da minha área. Como as minhas disciplinas são procedimentais, eu recebo a encomenda (projeto, relatório, plano de negócio, monografia, o que seja o da vez) e tenho que arrancar o resultado do aluno no final do semestre. Ou seja, trabalhamos com vistas a construir um produto, de modo que às vezes me deparo com a cópia de trabalhos, seja total ou parcial. Além do calvário que é arrancar do estudante de graduação uma coisa com "cabeça, tronco e membros", como diria Genésia, amiga, companheira de profissão e mãe honoris causa, tenho que saber lidar com os espertinhos, que acham que o professor de metodologia é um paspalho que qualquer acadêmico recém-nascido pode passar a perna. E nessa batalha, já me formei e dou diploma. Na verdade, estou cansada de correr atrás de imbecis que acreditam que copiar o texto alheio é um bom negócio. Afinal, como disse o nosso colega Dr. Enéas: "Pensam que enganam a quem?"  Na verdade, já aprendi (e me convenci) que há dois grupos de estudantes: 1) O que quer aprender, 2) o que quer passar. Com o primeiro grupo, aprendo a cada dia, com o segundo, posso até me agastar temporariamente. Mas, depois acabo esquecendo, pois é tão miúdo que não merece nem a lembrança. Prefiro falar do primeiro grupo, que, infelizmente, é minoria.

Esse ano, abracei um desafio imenso para alguém nascida e criada na área das ciências humanas: trabalhar elaboração de projetos de pesquisa num curso de Engenharia Civil. Houve momentos que eu ficava insistindo com os meninos para que eles me explicassem melhor o que queriam dizer. Foi um exercício extremamente difícil na primeira turma. Até porque, me pondo no lugar dos estudantes, como acreditar numa professora que não sabia que viga de concreto tem alma? E que as construções sofrem patologias, inclusive podem apresentar recalques? A professora nem sabia que existe um tempo diferencial para a cura do concreto. Para mim, até aquele dia, a cura relacionava-se ao processo saúde-doença, pois já ando há algum tempo aperreando com as normas da ABNT aos estudantes de Administração Hospitalar. Então, estou aprendendo a falar o "engenhariês", e confesso que é bem mais difícil de acertar que o "juridiquês", onde passei dois anos de minha vida, atanazando o juízo dos futuros operadores do direito, antes de largar tudo e vivenciar a temporada portuguesa. A própria metodologia é complicada, pois trata-se de ciências exatas, e todas essas coisas de laboratório, dos quais nunca passei nem perto. Com todas as dificuldades, mais confiantes na linguagem e apoiada no talento dos estudantes, com a segunda turma obtive bons resultados, inclusive com aquele aluno bipolar que trazia um tema de pesquisa por semana. E nesta turma aconteceu-me algo particularmente interessante:  Fui professora de um professor meu. O mundo seu suas voltinhas, e o sujeito que me ensinou matemática na sexta série (na época, falava-se assim), foi meu aluno no 8º período de Engenharia Civil da FACEG. Todas as segundas, eu pedia aos Deuses que ele não lembrasse de mim, pois nunca fui boa com as matemáticas, além de que no período do Adventista, eu era uma peste. Sempre fui muito questionadora, e a adolescência não foi o meu período mais ameno. Somente no último encontro presencial, revelei o fato à turma inteira, e o colega-aluno ficou passado. Também, fazia muito tempo. Aproveitei para agradecer a paciência e me desculpar por qualquer coisa. 

Sobre o meu trabalho, minha mãe certa vez me disse: "Tu não és professora. Professoras são essas que ensinam os meninos a ler. Ensinar a quem sabe é muito fácil". Concordo em parte, e mais ainda quando vou a uma atividade da escola da minha filha. Não sei mais como as professoras do ensino fundamental I e início do fundamental II arranjam tanta ideia para envolver as crianças. Esta semana, mesmo doente, Ilza, minha irmã, voltou ao trabalho com os meninos de um 4º ano, numa escola da zona rural de Garanhuns. Inquieta, engajada, comprometida, juntou-se com outra colega e arranjou um meio de trazer os 29 meninos para conhecer o Natal de Garanhuns. Com o tema "Sonho de criança" a cidade está linda, ornamentada por ursinhos, árvores enfeitadas, casinhas. Um encanto. Os meninos ficaram maravilhados com o passeio. Primeiro, que poucos professores se aventuram a carregar uma turminha de meninos entre 9-10 anos, pois, dá trabalho, de forma que raramente a escola encontra-se com o mundo real. Segundo, que nunca mais esses meninos irão esquecer aquele dia de encantamento. Tanto que uma garotinha foi até a professora e perguntou se podia abraçar os ursinhos. Havia chovido e os ornamentos estavam molhados. Sem pensar duas vezes, a professora respondeu afirmativamente. Só depois, ao reencontrar a menina radiante - e toda molhada - foi que percebeu que não seria uma boa ideia. Mas, para a criança, foi a realização de um sonho. 

Talvez seja isso que nos falte no ensino superior. Vivemos um hiato entre os olhos brilhantes do primeiro dia e o sorriso radiante da formatura. É esse meio campo que precisa ser repensado. No que se pese as responsabilidades pessoais, dos professores e dos gestores das IES com a formação de futuros profissionais, precisamos arranjar estratégias para que estas pessoas, que o destino fez unir, sejam felizes em sua condição de estudante. Não só na entrada ou na saída. Mas, no "entretudo".

Até amanhã, fiquem com Deus. 

PS: "Alunos felizes" é um livro de George Snyders, que trata sobre a alegria nas escolas. Li-o há muito tempo. Penso que já é tempo de tornar a leitura da obra. 
    


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