domingo, 18 de janeiro de 2015

Leituras e reflexões: Não conta lá em casa

Quase no finalzinho da férias, o tempo livre é somente para preparar as coisas para voltar à ativa. O meu maior problema é que eu me acostumo fácil com o que é bom. Rapidamente me acostumei com esses dias imenso, essas tardes quentes e esse ventinho que entra pelo janelão. Isto aqui ainda não está terminado, mas, já está ficando bem bonzinho. Os espaços estão maiores e temos luz natural na cozinha. Vai ficar bom, vale o investimento e o aperreio. A primeira fase da obra, comandada por Mr. João, terminou na última sexta-feira. Agora, é pagar as contas e começar a planejar a segunda etapa. Mas, no meio do caminho tem o material escolar e quem tem filhos sabe que essa despesinha é pesada no orçamento. Enquanto isso, vou consumindo o meu tempo em leituras de lazer, pois, esse ano decidi tirar férias mesmo. Consumi quase um mês fazendo leituras por prazer, sem correções, sem escrita acadêmica. Nem pensei na escola, nem em quantas turmas vou assumir, nem que serviço irei fazer. Depois de quase três anos e meio, tirei um "mês sabático" (se é que isso existe). Mesmo sem grana para grandes viagens, tem sido um tempo interessante. E foi ainda no período letivo, mais precisamente em um sábado à tarde bem chuvoso que esse livro caiu nas minhas mãos. Enquanto as meninas estavam no cinema, revirei o mostruário da Casa Café, à procura de Nemo (ou seja, de ninguém). Peguei para olhar um livro sobre a Feiura, do Umberto Eco, uma biografia sobre a Marylin Monroe, e o livro do André Fran. O primeiro, tão interessante quanto caro. Só olhei. A biografia, muito chata. Passei ao terceiro livro, que é o documento escrito do programa de televisão homônimo, veiculado pelo Multishow. O título me chamou atenção, ainda que eu insista em dizer que não goste de relatos de viagem. Passei as folhas, olhei as fotos. Li o capítulo sobre a viagem a Coréia do Norte. E não consegui sair da livraria sem levar o livro, apesar da fila imensa de leituras a me esperar em casa.

A capa do livro já é um convite à leitura. O subtítulo, "Uma viagem pelos destinos mais polêmicos do mundo", dá uma pista  que aquele não é apenas mais um livro para turistas ou sobre turismo. Os destinos escolhidos pelos aventureiros são mesmo para quem tem coragem. Mianmar, Etiópia, Iraque, Somália, Japão Pós-Tsunami. Os quatro rapazes só escolhem rotas que poucos se aventuram a ir unicamente por lazer. Só vai à Tuvalu quem tem realmente o que ir busca numa ilha que irá desaparecer devido aos efeitos do aquecimento global. Nem venha com essa de praias lindas, pois existem paraísos tropicais bem mais acessíveis. O grupo, cada um com sua característica e função, forma um quarteto mágico das viagens mal assombradas. O que dizer de um passeio pela Coreia do Norte, onde estrangeiros não são bem vindos, e os aceitos, tem que aceitar cumprir o roteiro turístico oficial, acompanhados por dois agentes da segurança do Estado? Dentre as inúmeras e maravilhosas histórias, apreciei especialmente o capítulo sobre Mianmar, pois são tantas especificidades culturais que servem para nós ocidentais, como um espelho: acabamos por questionar os nossos próprios padrões culturais à luz de tantas diferenças. O retrato que o André Fran constrói do monge Ananda é encantador. Nos apresenta um jovem bem humorado e disposto, à despeito da cabeça raspada e do manto cor de açafrão, o monge se dispôs a acompanhar os quatro brasileiros nas visitas aos templos. Num deles, o templo Mandalay Hill, os aventureiros subiram os 1.729 degraus para apreciar à vista do por do sol, antes de saber que do outro lado havia um elevador! O monge trolou os brazucas direitinho! E ainda os fez pagar penitências na imensa escadaria. No Irã, nossos heróis vivenciaram um encontro com "gatas persas", ou seja, duas meninas que se dispuseram a conversar e a mostrar Teerã para os brasileiros. Durante o passeio, discutiram política, questões de gênero, família e trabalho. Impressionante a diferença entre o cotidiano das iranianas e o que nós acreditamos que elas vivem. Lindas, com seus véus e suas roupas largas e confortáveis, essas jovens têm os mesmos projetos e sonhos de qualquer jovem de 20 anos de qualquer lugar do mundo. A diferença é apenas o endereço. De quebra, os viajantes ainda ganharam uma tradução para o inglês do poema do poeta persa Saadi:

                                            Os seres humanos são parte de um todo
                                            Na criação de uma única essência e alma.
                                            Se um membro sofre dor,
                                           Outros membros permanecerão inquietos.
                                           Se você não tem respeito pela dor humana,
                                           Você não pode ser considerado humano. (p. 96)

Um livro de viagens a destinos improváveis pode nos lembrar de como são falsas as representações que fazemos dos outros. É preciso ir lá, para conhecer e aprender a respeitar as pessoas e suas diferenças. Por fim, um outro aspecto que me chamou atenção no livro foi o capítulo final. Com o título "o manual do nerd na estrada", aprendi alguns truques para extrair o que há de melhor em qualquer que seja o destino. Dicas como "prefira o hotel que tem wi-fi grátis" é essencial para quem vive conectado. Segundo o autor, esse é um "analisador de qualidade do hotel" mais importante do que bobagens como sauna, lavanderia e piano-bar. Uma boa conexão de internet é melhor do que ter um café da manhã de grande variedade, pois você não vai conseguir comer de tudo, e, horas de internet em alguns destinos pode ser caro, como ele diz: "Por fim, lembre-se: em qualquer situação, wi-fi sempre vale mais do que papel higiênico." Aí, eu tenho minhas dúvidas, sem querer evocar já no final do texto uma explanação sobre a pirâmide das necessidades de Maslow, que no mundo online precisa urgentemente ser revisitada.

Por fim, posso afirmar: o livro é melhor do que o programa, embora já me aguçou a curiosidade em vê-los na Islândia, bem na beira de um vulcão ativo (esses caras são doidos). Vamos esperar a história. 

Até amanhã, fiquem com Deus. 

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