segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Sobre escolhas, pitangueiras e permanências

Enfim, ontem choveu. E não foi qualquer chuvinha. Começou pelas 14 horas e, perto das 21, ainda caia uns pingos retardatários. Os dias estavam tão quentes que andávamos em estufas. O céu, completamente cinza, arrumava-se para chover, mas o vento dissipava as nuvens e o calor somente aumentava. Felizmente ontem, em pleno domingo de carnaval, o céu resolveu participar da folia e desabou em grande alegria pelas ruas da cidade. E pelos comentários nas redes sociais, choveu em toda parte. Até os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro decorreu debaixo de toró. Ficamos duplamente felizes, pois foi o teste do nosso novo (e dispendioso) telhado. O anterior, a que eu chamava de "pré-colombiano" por ser completamente solto, somente encaixado, aguentou heroica e bravamente por sete anos, mas enfrentávamos problemas com a caixa d'água que ficava meio às descobertas, de modo que o jeito foi colocar tudo a baixo e fazer novamente, dessa vez do modo correto. Então, esperávamos as primeiras chuvas para ver se realmente estava tudo certo, e, com as mudanças climáticas, as chuvas de dezembro não vieram, as de janeiro, falharam e somente ontem, desabou um aguaceiro de personalidade, e nem um único pinguinho veio para dentro de casa pela nova cobertura. Ainda bem. Isso nos dá ânimo para concluir os pagamentos, pois vocês sabem, professores brasileiros compram de tudo, mas sempre em suaves prestações.

Pronto. Então, um pouco a cada mês vamos cumprindo os compromissos, e enquanto isso, vou investindo numa atividade que abandonei quando nos mudamos para o hemisfério norte: não sei sei lembram, mas lá no início do Diga as novas, eu já falava na tentativa de ter um jardim. Me contentei em cultivar algumas plantas. Quando Luiza frequentava a educação infantil no Diocesano, havia (e ainda há) uns pés de pitanga numa praceta, no que antes era o jardim do Monsenhor Adelmar. Todos os pequenos adoram aqueles arbustos que florescem no verão e explodem em frutinhas cheirosas e saborosas. Para os pequenos estudantes, as pitangueiras são verdadeiras árvores. Quando me atrasava para ir buscá-la, sempre encontrava-a com os coleguinhas a sacudir os galhos para que as frutinhas caíssem. Das últimas vezes que estive lá, vi a menina de Milliany e seus amigos fazendo o mesmo. É uma tradição que passa de Infantil para Infantil. Pois bem, certo dia, Luiza chegou em casa com a mãozinha fechada, segurando algo. Quando perguntei o que era, ela disse: "São futinhas". Na verdade, eram apenas os caroços das pitangas já degustadas. Fiz uma festa e convidei-a para que plantássemos "lá atrás".  E pedi que trouxesse mais, e, sempre que ela lembrava, trazia a mãozinha cheia de sementes. Pois bem, desse plantio, resultaram dois pés de pitanga. Quando fomos para Portugal, eles eram pequenos arbustos com pouco mais de meio metro. Tínhamos outras plantas também, mas todas morreram, não aguentaram esperar nosso retorno. Permaneceram vivas as pitangueiras. 

No último ano, andei atarefada, tentando encontrar o ritmo antigo de minha vida, aquele que eu tinha imposto a mim mesma até 2010. Só que o tempo passou, e os meus valores mudaram. Aprendi muita coisa, desaprendi outras. E no final de 2014, comecei a não apreciar muito as escolhas que vinha fazendo, nomeadamente em relação ao que estava fazendo com o tempo. Comecei a perceber que estava dando sempre a mesma desculpa: "eu não tive tempo" ou "não deu tempo" eram frases que saíam da minha boca cada vez com maior frequência. E negligenciei minha saúde, reduzi as leituras, passei menos tempo com minha família, me diverti menos. E me cansei mais, e trabalhei mais, e paguei mais imposto, e contraditoriamente, ganhei menos dinheiro. Até que no final do ano, quando me perguntaram algo, eu fui responder que não tinha tempo e ouvi a voz da minha mãe a me dizer: "O tempo não é seu. O tempo é de Deus." Neste dia, fui olhar as pitangueiras. Elas estavam horríveis. Meio amareladas, de um lado. Secas de meses. Sofridas com as sobras de telhado que escapavam da obra. Pensei que era necessário cortá-las para que eliminassem aquelas galhas que estavam tão ruins, cheias de uma fuligem enegrecida. As frutas mirradas, secaram. Quando já ia providenciar o corte, lembrei-me de David. Não o da Bíblia, mas o irmão de Tony. Nos padrões da sociedade atual, David não é a mais certa das pessoas, mas, foi uma história que ele me contou que me mostrou o caminho da recuperação. O cunhado mora num sítio com a esposa. E lá, dentre muitas árvores frutíferas, eles possuem lindos pés de Umbu, uma fruta típica do nordeste brasileiro. A uma certa altura, David começou a perceber que as frutas estavam cada vez menos suculentas e mirradas. Até que uma das árvores deixou de produzir. Resolveu fazer um experimento tipo Loui Pasteur: passou meses aguando todos os dias uma das árvores, e a outra, somente às vezes. Percebeu, empiricamente, que não somente a água, mas a atenção recuperou a árvore, que voltou a produzir. Depois de contar história, muito satisfeito, nos mandou um saco de deliciosos umbus. 

David é um cunhado com o qual tenho pouca aproximação, mas do pouco que convivemos, hoje entendo que o que ele deseja da vida é cuidar de suas plantas e seus bichos. Nada com títulos, salários ou patentes. É uma pessoa bem humorada, que adora contar piadas absurdas, que de tão idiotas, você acaba rindo também. É um sujeito sem vaidades, que nunca o vi abrir a boca para tecer qualquer comentário pejorativo sobre quem quer que seja. Vive com um sorriso nos olhos. Pois, com essa experiência, levantei-me da acomodação e comecei a cuidar das pitangueiras. E hoje, elas já estão assim: 


  Não é grande coisa, mas o punhado de frutas que colhemos outro dia, já me anima a outras iniciativas. Há dois outros pezinhos que irei trocar de lugar, tenho comparecido diariamente com meu aguadorzinho de 5 litros, mesmo fazendo 4 viagens. Não me cansa. No percurso, vou conversando com elas, refletindo, tomando decisões.  Já havia visto D. Nazinha fazendo isso às 6 da manhã, quando passava à frente de sua residência para ir à aula de educação física no Adventista. Naquela época, achava que a velha era doida. Hoje, estou ficando igualzinha. Talvez, seja a idade.

Bom carnaval, fiquem bem. 
Até amanhã, fiquem com Deus.

Ah, já ia me esquecendo: parafraseando Charlyton, amigo de Tony: Quem não se dispuser a investir, nem se pronuncie. Quem não quiser ter trabalho não tenha plantas, bichos ou crianças. Nem more em casa. Aprendi também que  nestes âmbitos, para obter sucesso, é preciso viver nos preceitos de S. Francisco de Assis: É dando que se recebe.  

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