domingo, 15 de março de 2015

Leituras e reflexões: Dias de Febre na Cabeça

Sexta-feira passada demos um prêmio a Luiza pelo bom desempenho que a pequena vem obtendo nas avaliações parciais de primeiro bimestre. Na realidade, trata-se de um golpe familiar para fazermos as coisas que queremos, mas que não são exatamente politicamente corretas, como substituir o jantar por cachorros-quentes. Então, nesta quase noite, como o jovem da Praça São Sebastião ainda não havia iniciado o expediente, o jeito foi recorrer ao dogão da AESGA. Lá fomos nós, na minha folga, para frente do meu serviço só para comer cachorro-quente. Na volta, pelas imediações do Parque Euclides Dourado, ao avistar o grupamento dos Bombeiros, Luiza perguntou: 

Luiza: "Ô mãe, o que os bombeiros fazem quando não estão atendendo as ocorrências?"
Eu: "Assistem TV, dormem..."
Luiza: " E lá tem cama?"
Eu: "Deve ter, né, Lu?! E também escrevem. Há nesse grupamento um excelente escritor-bombeiro"

Parte do caminho, conversamos sobre a obra do excelente escritor-bombeiro, e prometi apresentar-lhe alguns dos seus livros, que temos cá em casa. 

Por causa da conversa de Luiza, lembrei-me de "Dias de Febre na Cabeça". Quando voltei para o Brasil, em 2013, o livro já estava lá na estante, numa fila de leituras que não foi organizada por mim. Lançado em 2012, pela editora garanhuense u-Carbureto, o livro de contos do Nivaldo Tenório repercutiu muito bem na mídia especializada pernambucana e brasileira. Volta e meia aparece alguém comentando o livro, analisando a estrutura literária, e, elogiando o estilo do jovem escritor. Há algum tempo já acompanho suas publicações, desde um primeiro conto que li num jornalzinho local, sobre as contradições dos bastidores do espetáculo da Paixão de Cristo. Daquele conto para cá, o autor amadureceu muito a sua forma, adquirindo personalidade. Hoje, já conseguimos identificar que o texto é do Nivaldo, mesmo que alguém coloque o nome por cima do dele. E, em tempos de internet, isso é fácil acontecer. Uma característica que me chama atenção nos contos do excelente escritor-bombeiro é a incompletude dos enredos. Ele até começa a história, dando voz ao sentimento do narrador, mas, com grande frequência, não termina. O desenlace do conto sempre deixa o leitor cheio de ideias, principalmente eu, que raramente me conformo com o fim e fico pensando "no que aconteceria depois se..." Em Dias de febre são poucos os contos que eu não gosto. E ontem, enquanto procurava meus papeis para organizar a massaroca de documentos para iniciar o processo de revalidação da tese portuguesa no Brasil, reencontrei o livro. Impossível não abrir e folhear só um pouquinho, e acabar lendo o conto que oferta o título à obra. Não pelas seis garrafas de vinho e um livro de Mário de Sá Carneiro, tudo que deu para ser transportado de Portugal. Mas, identifiquei-me com a história da casa:

"Foi muita sorte. Não é todo dia que a pessoa consegue comprar a casa onde nasceu mais de setenta anos depois. Uma grande sorte, ainda mais porque a casa em quase nada é outra." (p. 63) 

Não há uma só vez que passe pela casa que vivi no Magano, que não tenha vontade de comprá-la. A casa em que me entendi por gente em quase nada é a mesma, diferente da casa da nossa personagem. E nem é uma casa que preste, apesar de hoje aparentar estar melhor do que naquela época, cheia de goteiras no teto. Mas, aquele lugar ficou com parte de mim, e toda vez que o desafio é grande, sonho que estou lá, e é sempre para lá que volto. Não para beber o meu próprio sangue como o vinho das seis garrafas, mas, para me proteger e tomar decisões. Quando me acordo já tenho o caminho traçado, sei claramente o que devo fazer. 

É um excelente livro, talvez em parte escrito nos alojamentos da corporação, em plantões longos e enfadonhos. Um tempo muito bem aproveitado. Os contos "entardecer" e "missa do galo" (uma nota à Machado de Assis) também são muito interessantes. Tenho estes três deste livro como meus preferidos, que sempre me fazem parar uma procura ou arrumação, para lê-los mais uma vez. E não me lamento por algum suposto atraso, pois ler os textos do Nivaldo será sempre um tempo bem empregado.

Até amanhã, fiquem com Deus.

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