domingo, 12 de abril de 2015

Direito animal (Ou: Quem mandou ajudar a coruja?)

E se pensarmos um bocadinho, percebemos que, a certa altura da vida, o tempo nos atropela. Já estamos quase na segunda quinzena de abril, e, algumas coisas que havia planejado para este ano ainda não estão nem-nem. Umas, porque é preciso ter força para ir em busca, e, confesso que ando "à meia bomba". Outras, porque depende da colaboração de terceiros, e daí, tudo fica mais difícil. Há uma terceira categoria, impedidas pelos imprevistos. Ma, isso é a vida. Se tudo fosse de acordo com o planejamento, tudo isso seria mesmo muito chato. Vamos "conduzindo", porque "levando" só fica bem na letra do samba Tom Jobim com o Chico Buarque. Deixa quieto. Na categoria do imprevisto, hoje os computadores desta casa deram o "piti" coletivo. Por isso, estou escrevendo no João, um Mini HP que possuímos desde 2010. Talvez pela idade, o coitadinho tá lento que só um carro com motor mil subindo uma ladeira.

Mas, a conversa todinha foi para dizer que às vezes surgem uns imprevistos no caminho que nos põe a pensar nas coisas da vida. Esta semana, Tony chegou em casa com uma história engraçadíssima sobre a seara jurídica. Betinho, um amigo nosso das antigas, deixou de ser promoter e enveredou pelo ramo da construção civil. Em uma das obras, o neguinho (como costumamos chamá-lo, carinhosamente) encontrou uma coruja. O bicho estava num cantinho de um cômodo, assustado e ferido. Sem poder voar, a ave, naturalmente arredia, escondia-se. Comovido, o companheiro fez uma foto da coruja e publicou no Facebook. Logo, um amigo prontificou-se a ajudar, levando uma  gaiolinha para transportar a tal coruja. Constatando que estava mesmo ferida, decidiram leva-la ao veterinário. Daí, os dias foram passando e a conta do tratamento/internamento do bicho aumentando. No final, quando a fatura já chegava perto dos mil reais, os amigos resolveram devolver o animal ao seu habitat natural. Então, começou o problema: a ave é animal silvestre, e para leva-la daqui até ali na esquina, ou mesmo para abrigá-la é preciso ter licença do IBAMA. Os amigos consultaram Tony, que aconselhou que fizessem um Boletim de Ocorrência (BO) da coruja, para poder transporta-la, pois, caso fossem parados pela polícia, tinham como justificar o porte do bicho.  Em seguida, os três consultaram o Dr. Marcos Renato, Secretário do Meio Ambiente de Garanhuns, sobre como devolver o animal ao meio, que confirmou a bananosa: além do BO, era preciso levar a coruja para Recife, e tirar um documento que identificava o animal. O mesmo receberia uma anilha e depois seria um indicado um local para que fosse solta. Haja burocracia. Sei que além da conta, do documento na polícia civil, da viagem de quase 250 km, ainda teriam que enfrentar a chateação de uma repartição pública. Tudo por causa do bom coração, que só queria ajudar a miserável da coruja.

Não soube mais o que foi feito. Se fosse eu, colocava a triste no banco de trás do carro e soltava no primeiro capoeirão que encontrasse. Triste de um bicho que o outro engole, e a coruja ia ter que se virar sozinha. A pior opção é levar esses bichos para casa. O próprio secretário relatou aos meninos que um senhor deixou na UAG um casal de cágados (tipo de tartaruga), e, até hoje não se sabe como proceder com os animais, pois entre a vida selvagem e o cativeiro existe a imensa burocracia para travar a vida de todos, homens e animais. Lembro-me bem, quando ainda fazia graduação, que a colega Lúcia ganhou um bicho preguiça, que vivia na pachorra de umbuzeiro  num sítio em São João. Tudo em paz até que um dia um destacamento do CIPOMA baixou lá e apreendeu o animalzinho. A colega passou semanas em depressão, mas para a lei, não há mais-mais: pau é pau, pedra é pedra. Não teve choro nem vela, e o bicho preguiça foi-se embora, ninguém sabe para onde, levando consigo um pedaço do tronco do umbuzeiro, que não teve polícia nem delegado que arrancasse do animal a lembrança.

A lei ambiental é dura, talvez como devesse ser a  lei dos homens. Mas, não deixa de ser engraçado, como naquele dia que eu inventei de pegar um ônibus Itapemirim, que passava de Campina Grande para Salvador. Parando em Caruaru, eu não pensei duas vezes ao saber que o transporte pararia na Rodoviária de Garanhuns. Crente que iria chegar mais cedo, instalei-me num dos bancos do meio para o final do carro. Achei estranho um passageiro embarcar com duas malas amarelas, que se mexiam e soltavam piados. Mais à minha frente, sentou-se esbaforido junto a uma freira, e simpático, começou a conversar animado. Deixei para lá. Cansada de minha vida de professora da educação básica, dormi até a polícia de São Caetano, quando fomos parados pela Rodoviária Federal. Enquanto o condutor arranjava o carro para parar, o homenzinho atacava as maletas e revelava grandes gaiolas. Exclamou: "Abre a janela aí, minha gente, pelo amor de meu padim ciço!" Entre assustados e cooperativos, os passageiros abriram as janelas e foi uma revoada de canários da terra dentro do coletivo, enquanto o homem abanava os braços, para espantar as aves aturdidas pelas janelas. O polícial entrou no ônibus, o motorista atrás de si. Deu boas noites e avisou-nos que deveríamos descer, pois o carro seria revistado uma vez que havia uma denúncia de tráfico de animais. Quando viu os bichos retardados voando pelas janelas, perguntou de quem era as gaiolas. O homenzinho assumiu, e o sujeito mais à frente explicou, com dó do homenzinho: "Esses ônibus velhos são cheios de morcegos, seu guarda." Mesmo assim descemos, enquanto eu ria o tempo inteiro, daquela comédia Hitckochiana. Não tinha dinheiro para pagar outra passagem, nem conseguiria chegar cedo em casa, o jeito era achar graça naquela situação absurda. O homenzinho foi detido, com uma gaiola cheia de canários belgas e uma gaiola misteriosamente vazia. Não sabemos do resultado, mas, dos males o menor: ninguém vai em cana por causa de um lote de canários belgas, bichos transgênicos, feitos em laboratório, acostumados ao cativeiro. Coitados.

Não quero com isso apoiar a compra e venda de animais silvestres. Aliás, há pessoas realmente esquisitas. Digam-me, o que leva o sujeito a comprar uma serpente do milho, que só vive em algumas regiões dos Estados Unidos? Ou uma barata africana?  Tá certo que quem tem o seu dinheiro, compra o que quer, mas, esses bichos são muito horríveis. Além disso, o transporte e o tratamento que é dado a eles no transporte e no processo de venda é degradante. Então, se você deseja ter um bichinho é melhor optar por um animalzinho legal (ao pé da letra da lei!), e tratá-lo dignamente, como bicho.

E é sempre bom lembrar que, no país da contradição, é menos arriscado agredir um ser humano, do que ser flagrado com uma coruja debaixo do braço, mesmo que seja somente para ajudá-la!

Até amanhã,
fiquem com Deus!




 

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