Há 22 anos, no mês de Julho, Garanhuns se transforma
em uma cidade cosmopolita. Já no mês anterior, enquanto o nordeste do Brasil se
delicia com as festas juninas, percebe-se a expectativa quanto à definição da grade
de programação deste que é o principal evento da nossa cidade. Começou pequeno, lá por trás do Centro Cultural Alfredo Leite Cavalcante, e ao longo de duas décadas vem se modernizando e crescendo.
Hoje, já tem uma identidade própria, cuja característica principal é a
diversidade, o usual no Pernambuco multicultural. Não é um evento de forró ou
feira de gado, como muitos artistas de renome nacional e internacional pensam
quando são contratados. É um festival que contempla várias línguagens artísticas
como as artes plásticas, o desing, a música – popular, clássica, instrumental,
pop, eletrônica, e, lógico, forró. Durante o FIG se discute literatura, fotografia, pintura,
cinema. Gentes de todas as tribos, estudantes, profissionais da comunicação,
professores de todos os níveis de ensino, das redes públicas (municipal,
estadual e federal), bem como da rede particular, se encontram em formações nas
Oficinas Culturais do Festival de Inverno, patrocinadas pelo Governo do Estado,
Secretaria de Educação e Fundarpe. Acontecem intervenções também nas
comunidades, como o Alto do Magano (ponto mais elevado de Garanhuns, 1.092m
acima do nível do mar de excelente paisagem quando a neblina não cai sobre a
colina mais famosa desta, que como Roma também é a cidade das sete colinas), na
Comunidade Quilombola Castainho, abordo de caminhões intinerantes de cultura,
privilegiando o visitante e o citadino a conhecer melhor essas localidades mais
afastadas, que recebem tão bem o visitante, na cordialidade patente do matuto
da periferia urbana. É, eu também sou matuta de periferia legítima!
Durante 10 dias, há cultura acontecendo em toda
cidade. A descentralização do FIG viabilizou o acesso a essa efervecência
cultural, e desde o meio dia até às 3 ou 4h da manhã do outro dia, há eventos
oficiais acontecendo, além das idéias fantásticas dos meninos, arrastando a festança para raiar o
dia. Ontem soube que no primeiro sábado do FIG (no caso, ontem) acontece o
Forró da Funerária, promovido por um grupo de jovens universitários (entre eles
o meu sobrinho Pablo. Olhe, não é porque é filho da minha irmã, mas o sujeito é
uma figura. E ainda tem gente que abre a boca para dizer a asneira de que a
juventude de hoje não tem nada na cabeça. Mas, isso é assunto para outro post).
O evento tem este nome porque acontece no Bar do Borges, esquina com a
Funerária Areias, próximo ao posto modelo. Diversão extra-oficial que emenda as
jornadas durante o FIG. Haja fôlego para tudo isso. Novo é novo!
Este ano o evento homenageia Luiz Gonzaga, o Rei do
Baião. Justíssima a homenagem. Faço minhas as palavras de Arthur Moreira Lima,
regente da Orquestra Sinfônica Brasileira, ao comentar sobre Elomar: para mim,
Luiz Gonzaga tem a mesma riqueza musical de Bethovem, cada um no seu “sertão”. Não
fui na quinta-feira, na abertura do evento dedicou-se a homenagear o maior
poeta da música nordestina, pois Luiza estava indócil. Nestes dias, não adianta
nem insistir, pois é garantia de aborrecimento. Pelo visto, foi muito bom. No
outro dia pela manhã, tínhamos compromissos aborrecidos no Banco. E é neste
horário de movimento de uma cidade pólo de 23 municípios que a cultura popular
pernambucana tem a sua apoteose no FIG, enchendo as ruas da cidade de cores com
os cortejos de Maracatu Nação ao som contagiante das alfaias, nos desfiles de bonecos
gigantes e orquestras de frevo num transplante das ladeiras de Olinda no
Carnaval. Frequentemente, precisamos atravessar a via e nos misturamos com as
penugens indígenas dos trajes Caboclinhos e suas flautas de madeira, prontos
para virar erê nos afoxés. E os blocos líricos e suas cantigas dos carnavais
saudosos? Acompanhamos sob a chuva fininha do meio-dia os mascarados e suas
orquestras de cordas de tantas semelhanças com as marchas portuguesas rumo aos
compromissos do dia, rotina em preto e branco convertida em technicolor pelos
trajos bordados e imensas cabeleiras de celofane dos caboclos de lança dos
Maracatus Rurais, vindos da zona da mata norte de Pernambuco. Quem se incomoda
com o trânsito travado? Com o estacionamento inexistente? Com os sustos pelo
ribombar dos trabucos dos Bacamarteiros de Caruaru, reminiscências históricas
da Guerra do Paraguai? É um espetáculo de cores e sons, da mais legítima
expressão cultural pernambucana, que colore “o meio-dia para a tarde”, que
alterna o céu cinza de inverno com um sol quente de “inverão” (inverno+verão,
segundo Phineas e Pherb!). É comum encontrar no café da esquina um grupo de
passistas dos Elefantes de Olinda, ou uma Diana do Pastoril do Gonzaga de
Garanhuns. Quem sabe, se der sorte, consegue topar com a Selma do Coco que, de tapioqueira
do Alto da Sé, se viu em turneé pela Europa, reinando absoluta sob a Torre
Eifel. Outro dia vi a Lia, cirandeira negra, alta e linda, uma Grace Jones
praieira, eterna rainha de Itamaracá, emprestando ares de mar ao interior montanhoso.
As apresentações do palco da cultura
popular torna acessível a quem quiser conhecer a mais legítima riqueza do
pobre, nossos saberes e tradições. É como somos, um bocadinho de cada um, de cada
lugar.
Nestes dias estaremos aqui mais vezes, pois, estou com
os olhos cheios de tanta beleza, desta gente linda, anônimo e artista, cada um
contribuindo paraque esse evento seja a nossa melhor vitrine (montra) cultural.
Até amanhã, fiquem com Deus.
Qualquer um que queira postar um comentario, por mais entendido e eclético que possa ser, será nada mais, que um nada....Parabéns minha amiga, excelente texto.
ResponderExcluirAdorei, como sempre, seu texto! Mesmo quem nunca veio ao festival, lendo suas linhas consegue ser transportado para o cenário perfeitamente descrito por você. Parabéns pelo dom de escrever!
ResponderExcluirQueria ir ao FIG, faz um tempão que nao vou!
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