Sempre, quase todas as semanas, vamos
dar uma peruada nos livros nas livrarias aveirenses. Em regra geral, nos deixam
em paz, olhando à vontade. Só uma livraria antiga que há ao lado do CTT é que o
velho fica perseguindo-nos, farejando-nos. Parece até que vamos carregar uma
enciclopédia desbotada debaixo do braço. Só fui uma vez, nunca mais voltei. Não
aprecio vendedores em meus calcanhares. Em Garanhuns, sempre que podemos, damos
uma paradinha na Casa Café para mexer nas estantes e conhecer as novidades. De
quebra, tem um barista simpatísissimo, que além de ótimos cafés, desenha muito
bem. Somos sempre muito bem recebidos pela Yve, proprietária da loja. Fica
difícil sair de lá sem carregar alguma coisa debaixo do braço (sem sacolas, por
favor). Numa dessas visitas à Bertrand do Fórum em Aveiro, percebi com
curiosidade uma série de obras do Pedro Paixão. Não sei o que me chamou
atenção, talvez o nome do autor: conheço uns cinco “Pedros”, um nome que bem
que poderia ser o do filho que não tive. Puxei um dos livros, aleatoriamente,
olhei a foto da contracapa: só os olhos de óculos e uma cabeleira despenteada.
Li a primeira página do texto e gostei da conversa. Devolvi cuidadosamente o
livro ao seu lugar, e peguei outro. Neste, havia a foto do autor esticado em um
sofá. Li a primeira página, gostei mais ainda. Como o velho e bom dinheiro não
havia chegado, devolvi o livro à prateleira, e ao chegar à casa, consultei a
minha traficante de leitura: A biblioteca da UA tem me fornecido verdadeiros
tesouros. Entre artigos de cansativa leitura técnica, saquei A noiva Judia, já
na 6ª edição, publicada pela Editora Cotovia. Um livrinho fininho, composto por
vários contos, histórias fragmentadas compostas por pensamentos soltos de
alguém não conhecido.
A primeira frase do livro é: “Quase
gosto da vida que tenho”. Já me identifiquei, pois por mais que nos esforcemos
na busca pela felicidade, ao longo da vida é sempre uma busca não concretizada,
até porque a felicidade é composta por momentos e a vida é uma eterna busca.
Quem sabe o que procura, corre o risco de encontrar. E quando encontra o que se
busca, é necessário jogar o objeto lá adiante, se não a vida perde o motivo e a
razão. Segundo o autor “o erro não é das pessoas, a vida é que está errada.
Devias pensar unicamente no que pode acontecer, não no que acontece. O que
acontece tem pouco interesse.” (p. 25) E essa citação acabou por lembrar-me um
texto da Mónica Aresta (não sei qual, mas está em http://agaveta.sapo.ua.pt),
no qual sentia-se saudosa do tempo em que a vida era uma possibilidade em
aberto. Tudo poderia vir a ser.
Em “lágrimas” o autor desenrola a
história de uma mulher que forçava-se a chorar após o encontro com o amante com
vistas a “dissipar o brilho dos olhos e a intensidade vermelha dos lábios de
quem tinha passado pela excitação extrema de ter traído” (p.61). E depois de
tudo, deitava-se ao colo do marido, que a consolava por algum desrespeito
sofrido na rua, história inventada de última hora para merecer o consolo do
parceiro traído. Há gente para tudo nesse mundo. Inclusive a quem apetece viver
a mentira. Mente demasiado que acaba por acreditar na invenção. Conheci um a
moça assim, ela mentia tanto e com tanto talento, que mesmo sabendo que tudo
aquilo era mentira, acabávamos acreditando nos seus longos enredos. E mais
interessante: a mentira que contava hoje repetia amanhã e um mês depois,
aumentando só um pouquinho, sem nunca se esquecer de algum detalhe
desimportante.
Talvez o que me chamou atenção no
livro foi o título. “A noiva judia” poderia ser eu. Embora não tenhamos nenhuma
tradição, nosso nome e a nossa cara não nega a herança judaica de alguma
família fugida da inquisição, aportada em Pernambuco para recomeçar seus dias
como cristãos novos. Além de mim, Izabel e Ilda também tem feições judias. As
outras quatro são mais morenas, carregam mais o DNA indígena de minha mãe. Á
mesma época da leitura desse livro, Luiza estudava multiculturalidade e etnias
na escola. Quando lhe contei do nosso judaísmo pernambucano, reconhecida pela
minha cara e pelo meu nome pelo Prof. Moreira e por Eliane, ela perguntou-me: “Eu
também sou?” Achei graça. No Brasil, somos tudo. Expliquei-lhe que a decantação
sanguínea em busca de uma classificação étnica do brasileiro é uma luta
inglória. Tudo se misturou com tudo, e somos a junção de vários povos, uma
singularidade caótica, harmônica.
Pedro Paixão descreve a vida com
palavras leves, filosóficas. Em “O menino”, define que o problema da
convivência é que “duas consicências fechadas num quarto nunca pode dar um bom
resultado” (p.72). Desviemos, pois, das dualidades e dicotomias, viabilizando nossas buscas,
sem nos deixar escravizar por elas.
Até amanhã, fiquem com Deus.
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