sábado, 4 de agosto de 2012

Quem teme perder...


Os dias passam rápido nos trópicos. Num instante terminou o mês de julho e já estamos no primeiro final de semana de agosto. Um pouco mais, comemora-se dia dos pais. Depois, aniversários em série. Assim, o mês de chuva galopa no calendário, e nas folhinhas fico vendo os dias a escoar, clareando uma evidência: tenho menos de um ano para entregar o documento provisório da tese, se quiser voltar para casa, definitivamente. E ainda falta tanto! Esta semana, fizemos a primeira formação com os nossos professores. Apesar de não ter conferido a avaliação deles sobre a atividade, os comentários são tão bons que anima-me para as próximas formações. Delineamos a recolha de dados da tese através de três formações: 1) Desenvolvendo o pensamento crítico; 2) Questionamento como estratégia de ensino e de aprendizagem e 3) Argumentação e construção de conhecimentos. A primeira, orientei-a eu, pois, não conseguimos a participação do Prof. Rui Vieira por três motivos: a internet do Brasil é péssima e fazer uma conferência à distância em pleno inverno é um risco. Outro problema era o fuso horário. A hora que é viável para Portugal é impossível para os nossos professores, cuja maioria tem a docência como segunda atividade profissional. E o maior impedimento: em Julho e Agosto, os professores portugueses estão em férias. E quando entram de férias, não atendem nem ao Papa. Estão certos. Trabalham duro o ano inteiro, produzem, dedicam-se. Férias são sagradas, tempo de descansar, renovar e curtir a família. O professor foi muito gentil e orientou-me no planejamento, me passou textos e permitiu o uso de sua imagem em uma palestra gravada. Infelizmente, tive que cortar uma parte do material, pois o tempo ficou curto; em compensação, os colegas participaram ativamente das discussões, demonstrando interesse e engajamento. Os meus colegas de trabalho são excelentes, verdadeiros parceiros desta jornada. Estou esperançosa que tudo funcione bem e o tempo seja suficiente para tantas atividades.

Mas, nem tudo são flores. Desde que regressei, tenho a impressão de que há uma fila de doenças se revezando para “atravancar o meu caminho” (Obrigada, Mário Quintana). São mazelas bobas, nada grave: uma infecção intestinal, uma crise de fígado, um resfriado. Depois, uma crise da doença mais chata do mundo e agora uma confusão hormonal. Não mata, mas, maltrata. De certa forma, parafraseando os velhos, ainda bem que eu vim morrer em casa. Pior seria, se pior fosse. O problema é que estes pequenos males atrapalham a concentração e a dedicação à leitura e a escrita, resultando em atrasos e chateações. Houve dias em que eu estava tão fraca que me apetecia mais ficar enrolada na cama à frente da TV, acompanhando os Jogos Olímpicos, com Luiza a brincar com os bonecos aos meus pés.

Minha primeira Olimpíada foi a de Moscou, em 1980. Apesar do boicote motivado pela Guerra Fria, foi impossível não se apaixonar pelo mascote, o Ursinho Misha. Foi a primeira vez que vi pelo ecrã da tv preto e branco a ginástica olímpica, a natação, o atletismo. O nosso fascínio pela ginástica era tanto, que eu e Vilma nos pendurávamos nos galhos do pé de seriguela no fundo do quintal, arriscando a vida num tombo vertiginoso até o chão coberto de musgos e ervas. Recordava disto, em meio a risadas, ao assistir fascinada à exibição dos maravilhosos atletas ucranianos no exercício das argolas com a mesma cara de esforço de quem toma um cafezinho no balcão do bar. Parecem até que nascem e se criam pendurados no ar, dando cambalhotas impossíveis com os seus corpos elásticos e perfeitos.

Gosto de esporte, apesar de ser uma preguiçosa convicta. Se algum exercício físico fizer, resulta unicamente da pressão de em evitar um infarto. Ou seja, vou porque é o jeito, mas não gosto. Há muitos anos atrás frequentei o judô. Mas, eu era a pior aluna do mundo, só dava para cair e arroxear os joelhos. Nunca fui de grandes esforços, prefiro a hidroginástica da terceira idade. Contudo, em todo lado que for, por mais fracassada que tenha sido a experiência, sempre aprendemos algo, e, foi no judô que me aproximei da filosofia japonesa. O povo japonês é fantástico, são os mais competentes em construir fusões de sucesso. Conseguem conciliar tradição e modernidade, aliam a simplicidade à elegância, estão quase sempre magros e longevos. Dos japoneses, só não gosto da comida: não sei como alguém consegue comer alga com peixe cru e arroz “unidos venceremos”, e ainda achar gosto naquilo. Para tudo, há um limite.

Nas primeiras aulas de judô, antes de sabermos caminhar direito no tatame, aprendemos com Jigoro Khano que “quem teme perder, já está vencido”. Infelizmente, essa máxima essencial para a vida, não é ensinada na escola e é tão mal vivenciada no esporte. Conversava com Tony sobre isso ao pequeno almoço: o atleta brasileiro, em linhas gerais, sofre de uma fragilidade emocional, que aflora principalmente se somos favoritos a vencer. Sei que Sannya e Izabel devem ter uma boa explicação para este comportamento. Talvez, tão acostumados a perder, tememos ver o mundo do lugar mais alto do pódio. É na pressão que aflora a síndrome de “vira-lata” citada por Lula, e, em frente aos olhos eletrônicos do mundo, caímos, erramos, não pontuamos e perdemos. Parece-me que falta um preparo emocional para além do preparo físico, do talento e da técnica. Por outro lado, não é concebível que um atleta se entristeça e faça cara de enterro porque ganhou a medalha de bronze, quando após si há cinco candidatos que se tivessem se esforçado só mais um bocadinho, chegariam lá. É estranho e contraditório: tem medo de vencer, mas se sente na obrigação de ganhar. É a perniciosa filosofia do Sidnelson (lembram daquela personagem pernóstica do comercial do Tênis Rainha?), que sentenciava: “Você não ganhou o segundo lugar, você perdeu o primeiro!” A cobrança exarcebada atrapalha o rendimento do atleta, do estudante, do candidato. O “já ganhou” tem um efeito devastador na concentração emocional para a disputa. Quantas vezes nós não perpetuamos esta concepção quando cobramos demasiado e valorizamos de menos o que fazem as nossas crianças?

Nordestinizando o pai do Judô: Quem tem medo de viver, nasce morto. Quem não se dispõe a errar, jamais saberá se realmente tem competência para realizar coisas. Ademais, quebrar a cara até que poderia ser esporte olímpico. Assim como a dor, a decepção é prova inconteste de que estamos vivos.

Até amanhã, fiquem com Deus.  
PS: Não sei porque não consegui colocar o video do Sidnelson. Quem quiser ver a peça, o título  é Sidnelson Ultra Fitness.

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