Os dias passam rápido nos trópicos.
Num instante terminou o mês de julho e já estamos no primeiro final de semana
de agosto. Um pouco mais, comemora-se dia dos pais. Depois, aniversários em
série. Assim, o mês de chuva galopa no calendário, e nas folhinhas fico vendo
os dias a escoar, clareando uma evidência: tenho menos de um ano para entregar o
documento provisório da tese, se quiser voltar para casa, definitivamente. E
ainda falta tanto! Esta semana, fizemos a primeira formação com os nossos
professores. Apesar de não ter conferido a avaliação deles sobre a atividade,
os comentários são tão bons que anima-me para as próximas formações. Delineamos
a recolha de dados da tese através de três formações: 1) Desenvolvendo o
pensamento crítico; 2) Questionamento como estratégia de ensino e de
aprendizagem e 3) Argumentação e construção de conhecimentos. A primeira,
orientei-a eu, pois, não conseguimos a participação do Prof. Rui Vieira por três
motivos: a internet do Brasil é péssima e fazer uma conferência à distância em
pleno inverno é um risco. Outro problema era o fuso horário. A hora que é
viável para Portugal é impossível para os nossos professores, cuja maioria tem
a docência como segunda atividade profissional. E o maior impedimento: em Julho
e Agosto, os professores portugueses estão em férias. E quando entram de
férias, não atendem nem ao Papa. Estão certos. Trabalham duro o ano inteiro,
produzem, dedicam-se. Férias são sagradas, tempo de descansar, renovar e curtir
a família. O professor foi muito gentil e orientou-me no planejamento, me
passou textos e permitiu o uso de sua imagem em uma palestra gravada.
Infelizmente, tive que cortar uma parte do material, pois o tempo ficou curto;
em compensação, os colegas participaram ativamente das discussões, demonstrando
interesse e engajamento. Os meus colegas de trabalho são excelentes, verdadeiros
parceiros desta jornada. Estou esperançosa que tudo funcione bem e o tempo seja
suficiente para tantas atividades.
Mas, nem tudo são flores. Desde que
regressei, tenho a impressão de que há uma fila de doenças se revezando para “atravancar
o meu caminho” (Obrigada, Mário Quintana). São mazelas bobas, nada grave: uma
infecção intestinal, uma crise de fígado, um resfriado. Depois, uma crise da
doença mais chata do mundo e agora uma confusão hormonal. Não mata, mas,
maltrata. De certa forma, parafraseando os velhos, ainda bem que eu vim morrer
em casa. Pior seria, se pior fosse. O problema é que estes pequenos males
atrapalham a concentração e a dedicação à leitura e a escrita, resultando em atrasos
e chateações. Houve dias em que eu estava tão fraca que me apetecia mais ficar
enrolada na cama à frente da TV, acompanhando os Jogos Olímpicos, com Luiza a
brincar com os bonecos aos meus pés.
Minha primeira Olimpíada foi a de
Moscou, em 1980. Apesar do boicote motivado pela Guerra Fria, foi impossível
não se apaixonar pelo mascote, o Ursinho Misha. Foi a primeira vez que vi pelo
ecrã da tv preto e branco a ginástica olímpica, a natação, o atletismo. O nosso
fascínio pela ginástica era tanto, que eu e Vilma nos pendurávamos nos galhos
do pé de seriguela no fundo do quintal, arriscando a vida num tombo vertiginoso
até o chão coberto de musgos e ervas. Recordava disto, em meio a risadas, ao assistir
fascinada à exibição dos maravilhosos atletas ucranianos no exercício das
argolas com a mesma cara de esforço de quem toma um cafezinho no balcão do bar.
Parecem até que nascem e se criam pendurados no ar, dando cambalhotas
impossíveis com os seus corpos elásticos e perfeitos.
Gosto de esporte, apesar de ser uma
preguiçosa convicta. Se algum exercício físico fizer, resulta unicamente da
pressão de em evitar um infarto. Ou seja, vou porque é o jeito, mas não gosto.
Há muitos anos atrás frequentei o judô. Mas, eu era a pior aluna do mundo, só
dava para cair e arroxear os joelhos. Nunca fui de grandes esforços, prefiro a
hidroginástica da terceira idade. Contudo, em todo lado que for, por mais
fracassada que tenha sido a experiência, sempre aprendemos algo, e, foi no judô
que me aproximei da filosofia japonesa. O povo japonês é fantástico, são os
mais competentes em construir fusões de sucesso. Conseguem conciliar tradição e
modernidade, aliam a simplicidade à elegância, estão quase sempre magros e
longevos. Dos japoneses, só não gosto da comida: não sei como alguém consegue
comer alga com peixe cru e arroz “unidos venceremos”, e ainda achar gosto
naquilo. Para tudo, há um limite.
Nas primeiras aulas de judô, antes de
sabermos caminhar direito no tatame, aprendemos com Jigoro Khano que “quem teme
perder, já está vencido”. Infelizmente, essa máxima essencial para a vida, não
é ensinada na escola e é tão mal vivenciada no esporte. Conversava com Tony
sobre isso ao pequeno almoço: o atleta brasileiro, em linhas gerais, sofre de
uma fragilidade emocional, que aflora principalmente se somos favoritos a
vencer. Sei que Sannya e Izabel devem ter uma boa explicação para este comportamento. Talvez, tão acostumados a perder, tememos ver o mundo do lugar mais
alto do pódio. É na pressão que aflora a síndrome de “vira-lata” citada por
Lula, e, em frente aos olhos eletrônicos do mundo, caímos, erramos, não
pontuamos e perdemos. Parece-me que falta um preparo emocional para além do
preparo físico, do talento e da técnica. Por outro lado, não é concebível que
um atleta se entristeça e faça cara de enterro porque ganhou a medalha de
bronze, quando após si há cinco candidatos que se tivessem se esforçado só mais
um bocadinho, chegariam lá. É estranho e contraditório: tem medo de vencer, mas
se sente na obrigação de ganhar. É a perniciosa filosofia do Sidnelson (lembram
daquela personagem pernóstica do comercial do Tênis Rainha?), que sentenciava: “Você
não ganhou o segundo lugar, você perdeu o primeiro!” A cobrança exarcebada
atrapalha o rendimento do atleta, do estudante, do candidato. O “já ganhou” tem
um efeito devastador na concentração emocional para a disputa. Quantas vezes
nós não perpetuamos esta concepção quando cobramos demasiado e valorizamos de
menos o que fazem as nossas crianças?
Nordestinizando o pai do Judô: Quem
tem medo de viver, nasce morto. Quem não se dispõe a errar, jamais saberá se
realmente tem competência para realizar coisas. Ademais, quebrar a cara até que
poderia ser esporte olímpico. Assim como a dor, a decepção é prova inconteste
de que estamos vivos.
Até amanhã, fiquem com Deus.
PS: Não sei porque não consegui colocar o video do Sidnelson. Quem quiser ver a peça, o título é Sidnelson Ultra Fitness.
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