Vamos, então, para a última semana de fevereiro. Segundo Agualusa em Milagrário Pessoal, "fevereiro em Portugal não é um mês, é uma condenação." Não posso me furtar a reconhecer que o escritor angolano de Portugal tem alguma razão. Ontem, a sexta-feira foi uma provação climática a que somente os fortes sobrevivem. Para mim e Luiza, a sexta-feira é um ordálio, pois nele nos acordamos às 7h40 por decreto. Já temos repetido a rotina durante toda a semana e no quinto dia consecutivo, vamos literalmente à pulso. E ontem foi com requintes de crueldade: já haviamos saído da escola na quinta às 17h45 debaixo de chuva. E voltamos a escola na sexta pela manhã, sob a mesma chuva. E durante o dia, o tempo alternou em chuva, um pouquinho de sol, um vento gelado que o amigo Carlinhos tipifica como "frio rompedor". Caminhar pelo passeio do Hospital em Aveiro é o mesmo que de moto em Garanhuns no máximo do inverno. Depois, choveu de novo, fez mais uma nesga de sol, e depois veio o granizo. Hoje, nos levantamos para um dia ensolarado, com o céu mais azul e um friozinho básico sob o sol de geladeira. Só Portugal consegue ter um clima tão bipolar.
Para além das doidices climáticas, temos enfrentado dificuldades na alimentação. Visitar Portugal é como visitar a casa da vovó: uma imensa variedade de doces, almoços fartos, com muitos cozinhados de porco e muita batata. Tudo muito bom, tudo muito bem, para passar uns dias e com um orçamento reforçado pela economia obtida no planeamento das férias. Mas, morar cá é diferente. Paga-se água, energia, gás, internet, tv e telefone. Paga-se as propinas da Universidade. São compromissos que, quem vem de férias, nem se lembra que existem. Além dos custos há o desgaste quotidiano com a culinária local. Somando-se as nossas frescuras pessoais, tem sido dificil encontrar prazer nesta necessidade básica do ser humano. Luiza se desgastou com o almoço da escola. Quando a Escola da Glória era cá junto, o refeitório funcionava melhor e ela não reclamava tanto da comida. Contudo, este ano a escola entrou em reforma e mudou-se para uma escola enorme. Já vos contei isso no post "Rotinas escolares de quase inverno" (http://digaasnovas.blogspot.pt/2012/11/rotinas-escolares-de-quase-inverno.html) . Foram feitas adaptações no espaço físico, mas o refeitório é o mesmo, com a mesma equipe cozinhando e servindo refeições para 500 crianças e adolescentes. O resultado reflete na qualidade da comida. Luiza vive a reclamar da sopa e pegou um horror a peixe (paaaixe!). Quando vemos no menu abróteas, carapaus, solha, arinca, maruca, douradinhos, lulas e esses bichos esquisitos do Atlântico Norte tenho que fazer almocinho em casa e sair às carreiras para buscá-la na escola e depois devolver para o horário da tarde. E haja andar. Do meu lado, estou que não aguento ver um porco na minha frente. A galinha ao molho foi erradicada da minha cozinha, deusmelivre, não aguento aquilo. O feijão em lata é insuportável, até o cheiro. E quem enfrenta o quotidiano de cozinha sabe que há momentos que não suportamos mais comer o que produzimos. Minha sogra sempre comenta que a comida que ela faz não tem gosto de nada. E o feijão de Nilza é o melhor do mundo. É a rotina que tira o sabor da comida. Imaginem quando se trata de uma criatura como eu, cujo talento culinário restringe-se aos pratos honestos, como a velha e boa lasanha?!
No Brasil, quando entramos nesta roda-viva, a saída é terceirizar o almoço, jantar de vez em quando no Estação Doçura (já provaram o bolo de milho de lá? aquela mulher é uma criminosa!) e, provar o sanduiche de queijo de manteiga ou o bode com pão, ouvindo as conversas dos funcionários de Ferreira Costa lá no Bar de 'seu' Manuel. Porém, em Portugal não dá para fazer da alimentação "rueira" uma rotina. Não é que não exista comida boa, é que o dinheiro da professorinha licenciada, atualmente estudante a tempo inteiro é pouco para financiar o hábito. Comidinha por um preço mais acessível está nas praças de alimentação dos centros de compras, como o Fórum. Mas, a crise econômica que assola a (ex) rica Europa afeta um setor que normalmente é o último a sofrer efeitos dos arrochos econômicos. O primo Clodoaldo me explicava essa semana que, quando ele atuou como consultor financeiro do Banco do Brasil, os clientes procuravam oportunidades de investimentos menos arriscados, recomendavam o setor de alimentação. Pois em Portugal, o setor da restauração (alimentaão fora de casa) sofreu um golpe duríssimo com o aumento dos impostos. Quando cheguei aqui em 2010, pagávamos entre 6% e 10% de imposto no serviço de restauração. Hoje, pagamos 23%!
A fatura ao lado explica melhor. No intervalo entre os turnos de trabalho, passei no café e pedi um café e um pastel da nata. A conta deu 1,60. Destes, 0,30 corresponde aos 23% de IVA, Imposto sobre Valor Acrescentado. O problema é que o empresário recolhe o imposto que nós pagamos na fatura, e tem que repassar para o governo, com a emissão do documento fiscal. Daí, dá-se a desgraça: com a crise, o empresário vai fazendo malabarismos para pagar aos fornecedores, funcionários e manter demais custos operacionais. E o dinheirinho do imposto vai-se embora. Na hora de acertar as contas com o fisco, cadê dinheiro para pagar a dívida? Neste dia que consumi esse lanchinho, aproveitei para folhear o Jornal Público e me deparei com uma notícia terrível: no ano de 2012, em Portugal, registrou-se um aumento assustador de suicídios de empresários da área da restauração. No ano passado verificou-se o fechamento de 11 mil empresas da área. Em três meses, aconteceram 9 suicídios (copiei as informações no verso da fatura!). Como a maioria destas empresas são de base familiar, quando ocorre a falência, não é só a empresa que quebra, mas a família inteira. E o monocromático povo português não tem resistência ao aperto financeiro, além de serem muito tementes às leis. Cá, os empresários emitem nota de um palito de dentes e por conseguinte, pagam imposto. Na mesma situação, o empresário brazuca sempre desenrola um jeitinho de aliviar a mordida do leão. Certo, não é, mas dá-se um jeito de sobreviver. Afinal, jacaré que fica parado, vira Lacoste!
Até amanhã, fiquem com Deus!
Por cá, as grandes empresas se omitem de recolher os impostos que saem dos nossos bolsos, ao serem cobradas, entram na justiça com um efeito suspensivo da cobranças. Nos, a plebe, somos obrigados a pagar sob ameaça de confisco, do pouco que amealhamos durante a vida. É mole!
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