Outro dia, no caminho da escola, perguntava a Luiza o que ela queria ser quando crescer. É uma pergunta clássica, e para alguns pais, uma pergunta retórica. Muitos nem esperam que a criatura em questão formule a possível resposta e vão logo respondendo pelo miúdo: "você será médico", "você será advogado", "você será empresário". Mesmo bem intencionados, acabam interferindo numa seara quenão lhes pertence. Cada um encontra o seu caminho, e cada ocupação tem suas delícias, mas tem também seus espinhos. Ontem estava relendo um pedaço do referencial teórico da minha tese, um trecho que gosto particularmente é quando me dedico a discutir com o leitor que a docência é uma profissão como qualquer outra, e que essa história de sacerdócio é conversa para boi dormir. Não com essas palavras, é claro, pois o discurso científico não é tão flexível assim. Por isso, concordo em número, gênero e grau com a colega Mónica Aresta, quando ela diz : "é tão mais fácil escrever posts". Contudo, a mensagem é essa mesmo: quem inventou essa balela de magistério como sacerdócio, com certeza queria auferir algum lucro. Para trabalhar bem precisamos não só de salários, mas também de condições adequadas de trabalho, cargas horárias mais humanas e formação continuada. E, ao escrever isso, fico me questionando se essas condições para desempenhar bem uma atividade profissional é exclusividade dos ofícios ligados à educação.
Investigando sobre "a profissão que me escolheu", conforme me disse minha querida amiga e Profa. Thayze, na entrevista que fiz como uma das estratégias de recolha de dados para esta tese em que labuto, tenho analisado o nosso corrido e estressante cotidiano com olhos de saudade. Quando nos afastamos, até das "alminhas de Jesus" sentimos falta. E este distânciamento metodológico que vivo, no melhor sentido das técnicas de investigação antropológicas, tem contribuído para reconhecer que o meu ofício é o ideal para mim. Mesmo nas dificuldades, depois que passa a raiva, eu sempre dou risada de muita coisa. Nas bocas dos professores há sempre um dito popular bastante engraçado: "A gente ganha pouco, mas se diverte". Era bom e justo que ganhassemos mais, mas tem situação que tem realmente piada, haja vista as pérolas do ENEM. São famosos os posts e e-mails acerca das construções inusitadas dos estudantes na tentativa de oferecer uma resposta a uma questão que nem sempre dominam. Aparecem pérolas como:
“A floresta
está cheia de animais já extintos. Tem que parar de desmatar para que os
animais que estão extintos possam se reproduzirem e aumentarem seu número
respirando um ar mais limpo”
ou
“A ciência
progrediu tanto que inventou ciclones como a ovelha Dolly”
Ao nos depararmos com essas expressões da inteligência humana, no primeiro momento, não acreditamos. Depois da segunda ou terceira leitura, se tal compreensão foi fruto de uma intervenção didática por você promovida (o troço é seu aluno), emergem a raiva e a indignação. No terceiro momento, o sentimento é de desamparo. O professor fica a pensar do que ele pode fazer para reverter tão grave quadro. E por fim, depois que todos esses sentimentos passam, vem a vontade de rir, e toda vez que o professor se lembra daquela construção cognitiva, fica com ar de riso. Não deixa de ser divertido. Por outro lado, há coisas que os alunos escrevem, que são toscas, mas que faz até sentido, como esse conceito de geometria: "Ângulo são duas linhas que vão indo e se encontram." Não deixa de ser verdade, além de ser bem poético. Na sua curta carreira no magistério, Ilma (que hoje é operadora do Direito) deparou-se com uma situação engraçada, numa escola rural, no Neves, onde lecionou durante pouco mais de um ano. Então professora, minha irmã colocou na prova a pergunta: "O que são seres vivos?" e o menino respondeu de lá: "é tudo aquilo que se bole". "Bulir" é um forma agreste de dizer mexer, movimentar-se. O menino tinha até razão. E não venham apelar para os recifes de corais com vistas a refutar o pensamento do menino de 5ª série. Eu já vivi inúmeras situações engraçadas no exercício da docência. Uma delas foi numa avaliação de Sociologia da Administração, na FAGA. Não sei se vocês sabem, mas a minha primeira oportunidade na docência de nivel superior foi para substituir a profa. Eliane Vilar no curso de Adminsitração. Ela estava assoberbadíssima com a presidência da AESGA, e como eu havia sido sua aluna na UPE, ela me deu essa oportunidade, não de trabalho, mas de vida. Sim, então, nessa disciplina, trabalhavamos as teorias da administração numa abordagem sociológica. Na prova, trabalhando a Teoria X e Y, de Douglas McGregor, o acadêmico escreveu-me um tratado sobre a teoria, esclarecendo todos os pontos negativos e positivos da abordagem. Um sonho de consumo para qualquer professor. Mas na hora de referir-se ao autor, no lugar de "McGregor", ele escreveu "Marquidoves", o nome do prefeito de uma cidadezinha próxima a Garanhuns. Eu ri demais, e a turma tirou o couro dele. Mas, o ato falho não atrapalhou a avaliação.
Quem lê essas mal traçadas linhas, pode incorrer no erro de que essas pérolas são exclusivas da docência. Essa semana, minha sobrinha Mayda, que é enfermeira, fez esse post Facebook:
Então, fiz alguns links mentais entre as carreiras da saúde e a docência. E os profissionais que cuidam da nossa saúde (ou da falta dela) também se deparam com essas maravilhas da inteligência humana nos consultórios, ambulatórios e afins. Na discussão do post, vários profissionais gabaritados e curiosos diagnosticaram:
Grizielle Rocha Own mulé. deve ser a falta de hidroclorotiazinha...
Mahria Socorro Souza Ou então uma BISCOPIA, Elayne... dá mto por essas bandas daqui, e o
médico receita um hidracortiazinha! kkkk
Izabel Sobral Mahria Socorro Souza, vc tá falando errado é "buscopia", e o tal
"raulxis" pra ver se trincou o osso!!!kkkkkkkkkkkkkkk
Eu ri demais. E atestei que mesmo trabalhar em meio a tantas moléstias, tem seu lado divertido. Se formos investigar, as semelhanças entre estas duas profissões que se desenvolvem em ambientes tão diferentes, não são restrita apenas as bizarrices cotidianas. As longas jornadas, os múltiplos empregos, as péssimas condições do trabalho na rede pública e as dificeis relações de trabalho na rede privada, não são espinhos exclusivos da educação. E entre a Universidade e o Hospital, não sei onde estar a maior concentração de gente doida por metro quadrado. São situações comuns (e não normais) para quem labuta nestas áreas. Parafraseando Merton, são disfunções administrativas que temos que combater, e enquanto não há uma mudança, conviver. É coisa de onde tem gente, e gente é o bicho mais dificil de se tanger.
Até amanhã, fiquem com Deus.
E o pior mal nas relações de trabalho, para mim, é a fofoca! Beijos
ResponderExcluirNão tenha dúvida, Ilma!
ExcluirÉ mesmo. Como diria minha amiga - e agora chefe - Giane Lira, a rádio corredor funciona a todo vapor! Ninguém merece.
ExcluirÉ isso Anninha, e entre buscopias e tia bete vamos levando a vida e tentando "tanger" mesmo o bicho gente, ganhando pouco, e atrasado, às custas dos contribuintes, tirado-se a fatia(gorda) dos mais sabidos, tentando fazê-los (os pacientes) mais por dentro de suas mazelas, e tentar controlá-las, para fazê-los viver um pouco mais. Às vezes dá "agonia no juízo", como diz Katia Cristina, mas emfim, "nós sofre, mas nós goza, meu bem..."
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