sábado, 4 de maio de 2013

Síndrome do caranguejo

Manifestação contra a Troika, no Porto. 03.02.2013

No Brasil, quem passou do sétimo ano, certamente conhece o emblemático poema "Canção do exílio", de Gonçalves Dias. Das estéreis aulas de literatura descritiva (penso que era assim que deveria se  chamar a disciplina escolar, caso os nossos currículos fossem honestos) até as provas do vestibular (exame que prestamos para aceder ao nível superior no Brasil), volta e meia este poema volta à tona. Das duas situações, nada em mim restou, somente a capacidade de recitar "de cabeça" o primeiro verso. Fui mesmo à Wikipédia para me recordar: O poema foi escrito em 1843, em Coimbra. O autor, maranhense de nascimento, veio à Portugal para estudar Direito. Com saudades da terra de Sannya Fernanda, acabou por produzir os versos mais emblemáticos do ideario do romantismo brasileiro. Lembrou? Pois, então lá vai: "Minha terra tem palmeiras, como canta o sabiá..."
 
Já vos falei - exaustivamente - das minhas saudades. E agora, após dois anos e lá vai, faltam menos de 60 dias para fazer o caminho de volta e tornar a residir na outra banda, o meu lado original. Tenho certeza que terei saudades das coisas, pessoas e paisagens de cá. É humano sentir saudades do que lhe fez feliz, do que foi divertido. Contudo, tenho percebido uma 'disfunsão' da saudade. Talvez por vícios da investigação ou por hábitos de investigadora, alguns discursos apostos no Facebook tem me despertado atenção. Pessoas que eu considero até inteligentes, derramando-se de saudades do regime militar no Brasil. Eu, pessoalmente, só conheci os últimos estertores, mas a História está aí para nos ensinar que conhecer o passado é o meio para entender o presente e fazer escolhar para construir o futuro. Não precisei fugir das razias nas noites sombrias da década de 1940, mas respeito o sofrimento de quem pereceu e de quem se arriscou na resistência à loucura totalitarista daquela época.
 
Olhando o Brasil de longe, acompanho as chorumelas saudosistas, ervas daninhas que brotam do mar de lama da corrupção. Já conehcíamos, desde o mundial de futebol de 1930, o complexo de vira-latas, termo criado por Nelson Rodrigues, que assim diz "a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, face ao resto do mundo". Ou seja,  desvalorizamo-nos sistemática e publicamente. Agora, padecemos da síndrome do caranguejo, que classifico como a tendência que temos de andar para trás, sempre com saudades do que já teve ou do que já foi, mesmo que o que tenha possuído fosse um cancro e que a situação vivida tenha sido tão nefasta quanto esta doença. A hipervalorização das condições do passado desvaloriza as conquistas daqueles que se empenharam e se sacrificaram como contributo para a liberdade que temos hoje. Se a sociedade atual perdeu os seus valores e a noção de respeito ao ser humano é porque as suas crenças estão em xeque. Entretanto, como otimista inveterada, creio que os momentos de crise são essenciais para que busquemos alternativas com vistas a melhorar o mundo, e não, de torná-lo cada vez pior. É muito fácil e muito cômodo culpar o governo, o emprego, o chefe, o parceiro, o pai e a mãe pela própria infelicidade, protegidos pelo anominato artificial da ecrã do computador, conforme cita Recuero.  Ao me deparar com discursos que refletem a síndrome, fico sempre a me perguntar se não seria mais adequado esforçar-se para melhorar, encontrando alternativas entre o muitíssimo ruim e o péssimo? Será que por conta do mal que vivenciamos no passado é mais vantajoso do que as poucas liberdades que conquistamos? Mas, tudo isso dá muito trabalho, é mais fácil ficar revirando o bau de quinquilharias históricas em busca de modelos sociais comprovadamente falidos, não só no Brasil ou em Portugal, mas em todo o mundo. Tenho poucas certezas, mas estou certa de que  não desejo ter um  Médici baby ou um Salazar cover à minha porta, quando amanhecer.
 
O mais contraditório é que aqueles que defendem as maravilhas do regime militar, façam discursos inflamados na web. Não se lembram que nos regimes totalitários, a primeira liberdade que se perde é a da livre expressão.  Saudade da truculência e da repressão em nome do respeito e da ordem? Vá cheirar fumaça de óleo dísel!
 
Até amanhã, fiquem com Deus.
 
 

3 comentários:

  1. É, Anninha, dá raiva em ver que há criaturas que pensam que um regime que fazia sumir as criaturas que pensassem diferente é o ideal. Hoje, pelo menos, podemos escolher outro indivíduo para governar, se o atual não for bom. Não se podia, no passado, dizer o que pensava, pois sofria o risco de morrer e das formas mais cruéis. Corrupção e violência existem desde sempre, não foram invenção dos barbudos, o que tem que se fazer é usar o poder que o povo tem e exigir reformas, o que está errado tem e precisa ser mudado. As leis precisam de reforma, o código penal é obsoleto... É por ai. Achei seu post sensacional, as carapuças caíram que só! Beijos e saudades de vocês.

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    1. É! eu acho esse termo carapuça uma graça! Pena que ainda levem para o lado pessoal. hehehehe! Beijos, te amo!

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  2. A opção pelo passado obedece a lei do menor esforço. Por que trabalhar por algo diferente do que aí está?

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